sexta-feira, 9 de maio de 2008

A farra dos royalties

O ESTADO DE SAO PAULO
Sábado, 19 abril de 2008

Nenhum município aufere tanta receita com royalties do petróleo como Campos dos Goytacazes, no litoral norte fluminense. Recebe, por ano, de mão beijada, R$ 848 milhões (esse foi o valor transferido para os cofres municipais em 2006, último dado disponível). É dinheiro mais do que suficiente para resolver os principais problemas da cidade e aliviar de maneira notável as precárias condições em que vive a maioria da população.Esse valor equivale a 12 vezes o que a prefeitura consegue arrecadar de tributos municipais, com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Serviços (ISS), cuja receita é de cerca de R$ 70 milhões por ano. Somadas as demais transferências que a Prefeitura recebe, o orçamento municipal chega a R$ 1,3 bilhão. No entanto, mesmo dispondo de tanto dinheiro público, existem em Campos dos Goytacazes bolsões de miséria.Como mostrou reportagem publicada segunda-feira pelo Estado, o que ocorre em Campos também ocorre em outros municípios beneficiados com generosas transferências de royalties do petróleo. Embora tenham carências como outras localidades do País, esses municípios não aplicam o dinheiro que recebem na melhoria dos serviços municipais, em políticas sociais ou na recuperação e ampliação da infra-estrutura urbana. Gastam a maior parte das receitas com royalties nas contratações de funcionários e no pagamento de serviços prestados por empresas terceirizadas. Incham a máquina administrativa, com admissões na maior parte das vezes sem concurso e feitas de acordo com interesses político-eleitorais. Desse modo, sobra muito pouco para melhorar a qualidade do serviço prestado à população.Desde que a receita da exploração do petróleo passou a ser repartida com os municípios de áreas próximas das plataformas petrolíferas, o total destinado às prefeituras cresceu velozmente. Em 2000, elas receberam a título de royalties do petróleo o total de R$ 2,975 bilhões. Em 2007, o total alcançou R$ 14,833 bilhões, ou praticamente 400% a mais.O caso de Campos exemplifica com muita clareza o que as prefeituras estão fazendo com esse dinheiro. Entre 2002 e 2006, a receita com royalties aumentou 181%. O número de funcionários contratados diretamente pela prefeitura aumentou mais ainda, 207%. E o gasto da folha de pessoal municipal cresceu ainda mais depressa, 307%. Isso quer dizer que, estimulada pelas receitas extras com o petróleo, a prefeitura contratou muita gente, e pagando em média cada vez mais.Esses números não incluem o pessoal terceirizado, isto é, que presta serviços à prefeitura, mas não tem vínculos empregatícios. Estima-se que haja 16 mil funcionários terceirizados, o que corresponde a 70% do total de servidores contratados. Em certas repartições, não há espaço físico para abrigar tantas pessoas. Não é de estranhar que, entre os contratados diretamente ou terceirizados, muitos nem comparecem regularmente ao local de trabalho.Recentemente, o prefeito de Campos dos Goytacazes, Alexandre Mocaiber (PSB), foi afastado do cargo por envolvimento num caso de desvio de mais de R$ 200 milhões, supostamente empregados na contratação de empresas e funcionários terceirizados.O caso de Campos é o mais expressivo do mau uso de recursos provenientes da exploração de petróleo, mas não é o único. O inchaço da máquina municipal ocorre em outros municípios que recebem royalties do petróleo. Por causa de regras imperfeitas na distribuição desse dinheiro, um grupo restrito de nove prefeituras abocanha 61% do total distribuído. Ao mau uso do dinheiro público se somam outras conseqüências danosas que essa forma distorcida de distribuição dos royalties impõe à administração pública. As prefeituras beneficiadas começam a desprezar a tarefa de arrecadação de tributos municipais típicos, vão comprometendo parcelas cada vez maiores das receitas com o pagamento de pessoal, não se preparam para períodos de dificuldades e nunca levaram em conta a real finalidade desse pagamento, que é o ressarcimento por eventuais danos causados pela exploração do petróleo em áreas próximas.

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