sexta-feira, 9 de maio de 2008

Inflação cospe fogo e governo discute opções a aumentos fortes da Selic para deter repassesI

09.05.2008 - 17:18

Antonio Machado

A inflação está novamente no topo das apreensões do governo, com projeções nada animadoras, mas ao estilo do presidente Lula a cada vez que se vê chamado a tomar decisões fortes e amargas: relutante e dividido entre as vertentes ortodoxa e realista do Banco Central e os chamados desenvolvimentistas do Ministério da Fazenda, com o suporte de seus dois conselheiros externos, o ex-ministro Antonio Delfim Netto e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. O Índice Geral de Preços, IGP, da Fundação Getúlio Vargas, antiga medida oficial da inflação, veio salgado em abril, acima das mais pessimistas previsões. Evoluiu 1,12%, contra 0,70% em março, o que turvou a expectativa de um número mais benigno do IPCA, do IBGE, a base do regime de metas de inflação do BC, que também veio forte. O IPCA de abril, divulgado sexta-feira, subiu 0,55% sobre março e acumula alta de 5,04% em doze meses. A meta deste ano e para 2009 é 4,5%, com piso de 2,5% e teto de 6,5%. No ano passado, pressionado basicamente pelo choque de preço dos alimentos, um fenômeno global, o IPCA fechou raspando na meta, 4,46%. Este ano as pressões estão maiores devido ao aquecimento do consumo e ao virtual esgotamento do efeito deflacionário do câmbio apreciado, ainda que possa haver algum repique devido à promoção da nota de crédito do país para o conceito de investimento seguro. O BC está no mato sem cachorro. E nele entrou já acuado. Em vez de deixar a corda esticar e esperar a reunião do próximo dia 4 do Copom, Comitê de Política Monetária, para soltar a Selic, quanto o estrago inflacionário estaria patente - proposta desta coluna e de muitos analistas -, agiu já em abril, inflando o juro do overnight de 11,25% para 11,75%. A taxa estava parada há sete meses e desde maio de 2005 não crescia. O presidente do BC, Henrique Meirelles, tomou chumbo de todo lado. E continuará a ser alvejado. Lula tem aversão a conter o ritmo de expansão da despesa pública para esfriar a demanda agregada. Opõe-se também a limitar o prazo dos financiamentos de bens e do parcelamento no cartão de crédito, por vê-la prejudicial aos consumidores da classe média baixa. Ele parece cada vez mais obcecado com o Ibope de sua popularidade e as eleições. O que resta é o porrete da Selic ou pouco mais inflação, a proposta do ministro Guido Mantega, sabedor de que Lula tem medo de frustrar o crescimento da economia. Assim caminha o governo. Altos riscos em 2009 A inflação já deu as cartas. Falta o governo abrir o seu jogo. Em doze meses, a inflação pelo IGP, referência de ajuste dos chamados preços administrados, como energia elétrica e telefonia, atingiu o temerário patamar de dois dígitos, 10,24%, com tendência de alta à falta de ações duras, como as tomará o BC sem outras providências. O IGP nesse patamar antecipa repasses pesados para o início de 2009, como de mensalidades escolares, que as acompanham, e tarifas de ônibus em várias capitais, reajustadas em janeiro. A política monetária de hoje impacta a inflação de seis a oito meses adiante. Ou o BC e a Fazenda começam a correr ou serão atropelados em 2009. Indústria no limite Uma onda inflacionária é visível em todas as categorias de preços e não mais apenas refletindo o choque de alimentos. Agora, são os aumentos de matérias-primas industriais que pressionam como gás em expansão numa bexiga. O Índice de Preços por Atacado, por exemplo, analisado pelo estágio de produção, indica que as matérias-primas em doze meses estão com alta de 28%, os bens intermediários, 9,7%, e bens finais, 6,16%. Por origem, o IPA mostra crescimento anual de 27,9% para os produtos agrícolas e 7,96% para os industriais. O IPA, um dos componentes do IGP, cresceu no mês 1,3% em abril e 12,82% em base anual. Tais aumentos chegarão ao varejo, impactando o IPCA e, portanto, os salários, se o BC ou o governo vacilar. Visões conflitantes A pressão de custo, por ora interna às cadeias industriais, é a seqüela da febril e ainda intocada pela recessão dos EUA demanda global por commodities. Chama-se isso de choque de preço, contra o qual a política monetária pouco pode fazer. O normal é que combata a disseminação dos aumentos, para deter a espiral preço-salário. O ministro Mantega argumenta que em países que adotam o modelo de metas a inflação a superou ou está no limite. A ilação é que o BC opte pelo topo da meta, 6,5%, até que os choques sejam absorvidos. A Selic seria menos exigida. Só que ao BC há outro choque, este de demanda, que precisa ser esfriada. Essa é a discussão no governo. Não se descarta dos cenários do BC e Fazenda a veloz deterioração das contas externas do país, impelida pelo aumento das importações em ritmo maior ao das exportações. De novo, as ênfases sobre o que há atrás desse movimento põem BC e Fazenda em oposição. Para o BC, isso se deve ao crescimento do consumo, movido tanto pelo crédito e recuperação do emprego e renda, como pela expansão sem freios do gasto público. Para a Fazenda, é culpa da Selic recorde no mundo, porque atrai hot money, que deprecia o dólar e atrasa o equilíbrio da relação R$/US$ previsto no regime de câmbio flutuante. Um conflito tão técnico não é nada fácil para Lula arbitrar. Como ele também põe fogo na expectativa inflacionária ao bancar o gasto público crescente, mas ao mesmo tempo não refuga a estabilidade de preços como pilar da justiça social, melhor é que BC e Fazenda se entendam. É provável que os depósitos compulsórios voltem a subir.

Nenhum comentário: