(MAIS UMA CRÔNICA SOBRE ESPERANÇA EM TEMPOS DE DESENCANTO)
Por Márcio Melo*
SOBRE A ATITUDE CRÍTICA
“A atitude crítica
É para muitos não muito frutífera
Isto porque com sua crítica
Nada conseguem do Estado.
Mas o que neste caso é atitude infrutífera
É apenas uma atitude fraca. Pela crítica armada
Estados podem ser esmagados.
A canalização de um rio
O enxerto de uma árvore
A educação de uma pessoa
A transformação de um Estado
Estes são exemplos de crítica frutífera.
E são também
Exemplos de arte.”
(Bertolt Brecht)
Ofício difícil esse de professor. Difícil ofício... Ensinar o quê? A quem? E quem quer mesmo aprender nos dias de hoje? Escrever também é difícil. É duro ser escritor num País como o Brasil... Escrever o quê? Sobre o quê? Publicar como e aonde? E quem vai ler? Escrever sobre tempos difíceis, para os poucos que ainda lêem. E esses poucos, na sua grande maioria, são justamente aqueles que vivem nesses tempos difíceis... Queria mesmo escrever para a astúcia velha trabalhadora, que toma ao professor seu saber. Queria escrever sobre o fardo dela, que é pesado demais. Mas ela não tem tempo para ler. Bem que ela deveria ter tempo para aceitar e ler os panfletos que contêm o saber. Mas ela recusa-os... Será que ela sabe ler? E se sabe, entende? Ela me diz, preocupada com o amanhã: - Primeiro o pão, depois a educação, meu filho! Lembrei também de um cidadão, um pequeno trabalhador amigo meu, que gosta muito de ler. Ele me chamou um dia desses para me pedir algo diferente dos livros, que sempre lhe empresto. Pediu para que lhe ajudasse a pagar suas contas de água e de luz, pois o pouco que está ganhando só dá mesmo para comprar o pão. Ele completou o pedido dizendo: – Primeiro o pão, professor, depois os livros! Aquilo doeu na minha alma... Mas claro que vou ajudá-lo! E vou continuar também emprestando os meus livros, pois não só de pão vive o homem!
Três falácias. Ouvimos dizer: “A qualidade do ensino é ruim porque os professores são despreparados” ou “Fulano não aprende porque não é inteligente” e “Os pobres não enriquecem porque não se esforçam”. Que nada! Só os tolos acreditam nisso! “Será que o despreparo do professor é realmente a causa da baixa qualidade do ensino? Será que tanto a baixa qualidade do ensino quanto o despreparo do professor não dependem de uma política educacional eficiente?” É preciso pensar sobre isso! “Do mesmo modo, a causa de as crianças pobres não aprenderem não é, propriamente, a falta de inteligência e, sim, a desnutrição e o próprio sistema escolar, inadequado às crianças das classes desprivilegiadas”. E, convenhamos, “a causa real de os pobres e os miseráveis não enriquecerem são as suas condições sociais, que lhes impedem de ascender socialmente”.
A pobreza, a hesitação, o receio de alguns face à educação anuncia um novo tempo. As lutas entre o Velho e o Novo ocorrem também dentro de cada um. Há muitos velhos com pensamentos novos e muitos jovens com velhos pensamentos! E ainda há disposição de alguns professores, apesar das dificuldades. A esperança ainda persiste, apesar de tudo e de todos. Esperança de que a velha trabalhadora e o jovem leitor leiam seus panfletos e textos. E entendam. Não é para isso que existem o professor e o escritor? Existem para ver a seriedade de ambos – do velho e do novo – ao ler e discutir o texto do panfleto. Que leiam devagar, sem pressa, entendendo. O escritor é aquele que dá uma visão de mundo às pessoas, uma visão daquilo que ele percebe e vê. O escritor dá o seu ponto de vista, não só pensando nos seus objetivos, mas sim em como os leitores irão reagir e de como terão seus próprios conceitos a respeito daquilo que estão lendo. É preciso questionar esse status quo (estado de coisas)! Como alertam o Pablo e o Chico, “a grande maioria dos que trabalham enfrentam penúrias”.
E como me lembra o Brecht: “Muitos dizem que o Tempo está velho, mas eu sempre soube que existe um Tempo novo”.
E o professor que há em mim ainda se alegra com o Novo Pensamento e sente saudades do Velho! Já o escritor que há em mim diz: - A você, Pensamento Novo!
TECENDO A MANHÃ
“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue
se vá tecendo, entre todos os galos.”
(João Cabral de Melo Neto)
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Chico e Pablo Gentili. Educar na Esperança em Tempos de Desencanto. – Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2001.
BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956; seleção e tradução de Paulo César de Souza – São Paulo: Ed. 34, 2000.
MELO NETO, João Cabral de. Antologia poética. 5. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979.
VÁRIOS autores. Para filosofar. – São Paulo: Scipione, 2000.
(Márcio Melo. Professor de História, Sociologia e Filosofia no Ensino Médio da rede estadual de ensino da Bahia há doze anos; professor na Faculdade Cenecista de Senhor do Bonfim (FACESB) há três anos; licenciado em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); atualmente bacharelando em Direito nesta mesma Universidade; especialista em Ensino de História e História Africana e Afro-Brasileira pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX); escritor nas horas vagas. Depois de ler Brecht. Maio de 2011)
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