“Vamos celebrar a estupidez humana/ O meu País e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões/ Vamos celebrar a estupidez do povo, nossa polícia e televisão/ Vamos celebrar nosso governo e nosso Estado que não é nação/ Celebrar a juventude sem escola, as crianças mortas/ Celebrar nossa desunião/ Vamos celebrar Eros e Thanatos, Persephone e Hades/ Vamos celebrar a nossa vaidade...”
(Renato Russo/ Legião Urbana, na música “Perfeição”, de 1993)
Em um dos nossos últimos textos, sobre drogas e outras mazelas, solicitamos que os leitores indicassem outros temas espinhosos para que déssemos a nossa opinião, e um dos mais indicados foi justamente o aborto. Então vamos lá, pois guerreiros não fogem à luta! E diferentemente do cidadão mediano, que não quer saber de certos temas, e nem sequer ouvi-los, nós queremos tratar e falar sobre eles sim. “Verás que um filho teu não foge à luta”. É o que diz o nosso Hino, não é mesmo?
O aborto é um tema espinhoso, e muito submetido ao peso do tabu no Brasil, seja por questões de fundo religioso – principalmente católico -, seja por motivos morais/éticos. Não discutiremos aqui a questão religiosa. Mas assim como as relações e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, barriga de aluguel, prostituição e dependência de drogas entre jovens ou a legalização delas – esse último tema nós tratamos no texto sobre as drogas - é preciso falar também sobre o aborto. Sabemos até aonde devemos ir nesse tema, pois o aborto ainda é tratado como crime neste País tropical abençoado por Deus e bonito por natureza.
O que precisamos entender logo de imediato é que o tema do aborto deve ser tratado com bom senso, aliado a um mínimo de conhecimento da Lei. O nosso Código Penal, que não é um código de direitos, mas de crimes, é bom que se diga, no seu artigo 128 elenca duas hipóteses em que “não se pune o aborto: I- se não há meio de salvar a vida da gestante; e II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.” Nós somos a favor do aborto nesses dois casos. A mulher precisa ter a sua vida garantida, se a gravidez for de risco; então se ela estiver correndo risco de morrer, deve-se optar pelo aborto; o mesmo acontece com uma mulher que for vítima de estupro: querer que a mesma seja obrigada a ter um filho indesejado, fruto de um ato de violência, é querer que ela sofra duplamente, não é mesmo? Onde está a moralidade e a ética aqui? É o que defendem os esquerdistas: o direito da mulher de reger seu próprio corpo.
Esse problema existe e é sério. Quantas mulheres não estão por aí, todos os dias, nas pequenas, médias e grandes cidades deste imenso País, arriscando suas vidas em intervenções clandestinas, em clínicas idem ou até mesmo recorrendo a vendedores clandestinos de remédios que levam ao abortamento? Quantas ainda irão morrer? Não seria melhor que se fizesse uma campanha séria mesmo em todo o País, de prevenção, de conscientização junto com as mulheres? O aborto deveria se resumir ao direito da mulher também de reger seu próprio corpo sem arriscar sua vida, não? A grande questão é: nós somos mestres em varrer os grandes problemas para debaixo do tapete ou em querermos “tapar o sol com a peneira”. Com o aborto não seria diferente, não é mesmo? É mais complicado discutir ou ampliar o debate político...
A jornalista, doutora em comunicação e cultura e professora da Facom-UFBA, Malu Fontes, em artigo sobre o tema no jornal A Tarde do dia 30/05/2010, nos traz os resultados de uma recente pesquisa sobre o tema e que é elucidativa. Vale a pena trazê-la para essa discussão também: “Associado sempre ao silêncio, à clandestinidade, ao pecado e ao crime, o aborto irrompeu esta semana na mídia impressa e televisiva no Brasil, por conta dos resultados da primeira pesquisa nacional domiciliar sobre a prática no País. Idealizada e coordenada por Débora Diniz, antropóloga, bioeticista e documentarista, e Marcelo Medeiros, sociólogo, ambos da Universidade de Brasília, e financiada pelo Ministério da Saúde, a pesquisa revelou que uma em cada sete mulheres brasileiras já fez aborto ao menos uma vez na vida. Isso equivale a 15% das brasileiras entre 18 e 39 anos, cerca de cinco milhões de mulheres. A pesquisa não entrevistou mulheres que abortaram antes dos 18 anos e após os 39, nem considerou o segundo ou mais abortos feitos pelas entrevistadas, o que indica que o número pode ser ainda maior. A pergunta principal da pesquisa era: você já fez aborto? Como o aborto é crime no Brasil, as respostas eram sigilosas e colocadas em uma urna .” E o que chama mais atenção, no artigo, é a sua conclusão, porque a pesquisa também jogou por terra alguns tabus clássicos sobre o tema: “Quem são as mulheres que já fizeram aborto no Brasil? Embora o discurso ilustre sempre a mulher que aborta como uma sem fé e solteira em relações instáveis, a pesquisa mostrou que metade das cinco milhões de brasileiras que fizeram aborto é casada, em relação estável, tem religião definida (maioria é de católica e evangélicas) e é de todas as classes sociais e escolaridades, embora o número de pobres e com menor escolaridade seja maior. Mais da metade disse ter recorrido a medicamentos clandestinos, o que indica que as demais recorreram ao amplo mercado, também clandestino, das clínicas de aborto. 55% tiveram que ficar internadas por complicações após o procedimento. Esses são os dados, revelados pelas próprias mulheres que, por alguma razão, optaram pelo aborto, mesmo sendo religiosas, mesmo já tendo filhos e sabendo o significado da maternidade.”
E para encerrar esse texto, analisemos as sábias palavras do escritor Luis Fernando Verissimo, em texto publicado também no jornal A Tarde do dia 7/2/2010: “As controvérsias sobre aborto expandem o debate político mas não transcendem velhas diferenças entre esquerda e direita, na medida em que uma representa o pensamento ‘progressista’ e a outra o conservadorismo religioso e laico – e suas respectivas contradições. Para a direita ninguém tem o direito de interromper uma vida, que começa na concepção. A posição da esquerda não é muito coerente com sua valorização do sicial sobre o individual. E conservadores raramente invocam o mesmo argumento usado para poupar um feto, a de que a vida é um dom sagrado, para poupar um condenado à morte. E nos dois casos, na proibição da mulher de dispor do seu ventre como quiser e na execução do condenado, defendem o que normalmente abominam: uma intromissão radical do Estado na vida das pessoas.”
A discussão é essa. A nossa opinião é essa sobre o tema, o resto são minúcias.
REFERÊNCIAS
Código Penal Brasileiro, Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Jornal A Tarde, Caderno Revista da TV, edição do dia 30/5/2010.
____________, edição do dia 7/2/2010.
(Márcio Melo, um cara que não abre mão da sua opinião, principalmente em se tratando de temas polêmicos, tabus)
(Renato Russo/ Legião Urbana, na música “Perfeição”, de 1993)
Em um dos nossos últimos textos, sobre drogas e outras mazelas, solicitamos que os leitores indicassem outros temas espinhosos para que déssemos a nossa opinião, e um dos mais indicados foi justamente o aborto. Então vamos lá, pois guerreiros não fogem à luta! E diferentemente do cidadão mediano, que não quer saber de certos temas, e nem sequer ouvi-los, nós queremos tratar e falar sobre eles sim. “Verás que um filho teu não foge à luta”. É o que diz o nosso Hino, não é mesmo?
O aborto é um tema espinhoso, e muito submetido ao peso do tabu no Brasil, seja por questões de fundo religioso – principalmente católico -, seja por motivos morais/éticos. Não discutiremos aqui a questão religiosa. Mas assim como as relações e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, barriga de aluguel, prostituição e dependência de drogas entre jovens ou a legalização delas – esse último tema nós tratamos no texto sobre as drogas - é preciso falar também sobre o aborto. Sabemos até aonde devemos ir nesse tema, pois o aborto ainda é tratado como crime neste País tropical abençoado por Deus e bonito por natureza.
O que precisamos entender logo de imediato é que o tema do aborto deve ser tratado com bom senso, aliado a um mínimo de conhecimento da Lei. O nosso Código Penal, que não é um código de direitos, mas de crimes, é bom que se diga, no seu artigo 128 elenca duas hipóteses em que “não se pune o aborto: I- se não há meio de salvar a vida da gestante; e II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.” Nós somos a favor do aborto nesses dois casos. A mulher precisa ter a sua vida garantida, se a gravidez for de risco; então se ela estiver correndo risco de morrer, deve-se optar pelo aborto; o mesmo acontece com uma mulher que for vítima de estupro: querer que a mesma seja obrigada a ter um filho indesejado, fruto de um ato de violência, é querer que ela sofra duplamente, não é mesmo? Onde está a moralidade e a ética aqui? É o que defendem os esquerdistas: o direito da mulher de reger seu próprio corpo.
Esse problema existe e é sério. Quantas mulheres não estão por aí, todos os dias, nas pequenas, médias e grandes cidades deste imenso País, arriscando suas vidas em intervenções clandestinas, em clínicas idem ou até mesmo recorrendo a vendedores clandestinos de remédios que levam ao abortamento? Quantas ainda irão morrer? Não seria melhor que se fizesse uma campanha séria mesmo em todo o País, de prevenção, de conscientização junto com as mulheres? O aborto deveria se resumir ao direito da mulher também de reger seu próprio corpo sem arriscar sua vida, não? A grande questão é: nós somos mestres em varrer os grandes problemas para debaixo do tapete ou em querermos “tapar o sol com a peneira”. Com o aborto não seria diferente, não é mesmo? É mais complicado discutir ou ampliar o debate político...
A jornalista, doutora em comunicação e cultura e professora da Facom-UFBA, Malu Fontes, em artigo sobre o tema no jornal A Tarde do dia 30/05/2010, nos traz os resultados de uma recente pesquisa sobre o tema e que é elucidativa. Vale a pena trazê-la para essa discussão também: “Associado sempre ao silêncio, à clandestinidade, ao pecado e ao crime, o aborto irrompeu esta semana na mídia impressa e televisiva no Brasil, por conta dos resultados da primeira pesquisa nacional domiciliar sobre a prática no País. Idealizada e coordenada por Débora Diniz, antropóloga, bioeticista e documentarista, e Marcelo Medeiros, sociólogo, ambos da Universidade de Brasília, e financiada pelo Ministério da Saúde, a pesquisa revelou que uma em cada sete mulheres brasileiras já fez aborto ao menos uma vez na vida. Isso equivale a 15% das brasileiras entre 18 e 39 anos, cerca de cinco milhões de mulheres. A pesquisa não entrevistou mulheres que abortaram antes dos 18 anos e após os 39, nem considerou o segundo ou mais abortos feitos pelas entrevistadas, o que indica que o número pode ser ainda maior. A pergunta principal da pesquisa era: você já fez aborto? Como o aborto é crime no Brasil, as respostas eram sigilosas e colocadas em uma urna .” E o que chama mais atenção, no artigo, é a sua conclusão, porque a pesquisa também jogou por terra alguns tabus clássicos sobre o tema: “Quem são as mulheres que já fizeram aborto no Brasil? Embora o discurso ilustre sempre a mulher que aborta como uma sem fé e solteira em relações instáveis, a pesquisa mostrou que metade das cinco milhões de brasileiras que fizeram aborto é casada, em relação estável, tem religião definida (maioria é de católica e evangélicas) e é de todas as classes sociais e escolaridades, embora o número de pobres e com menor escolaridade seja maior. Mais da metade disse ter recorrido a medicamentos clandestinos, o que indica que as demais recorreram ao amplo mercado, também clandestino, das clínicas de aborto. 55% tiveram que ficar internadas por complicações após o procedimento. Esses são os dados, revelados pelas próprias mulheres que, por alguma razão, optaram pelo aborto, mesmo sendo religiosas, mesmo já tendo filhos e sabendo o significado da maternidade.”
E para encerrar esse texto, analisemos as sábias palavras do escritor Luis Fernando Verissimo, em texto publicado também no jornal A Tarde do dia 7/2/2010: “As controvérsias sobre aborto expandem o debate político mas não transcendem velhas diferenças entre esquerda e direita, na medida em que uma representa o pensamento ‘progressista’ e a outra o conservadorismo religioso e laico – e suas respectivas contradições. Para a direita ninguém tem o direito de interromper uma vida, que começa na concepção. A posição da esquerda não é muito coerente com sua valorização do sicial sobre o individual. E conservadores raramente invocam o mesmo argumento usado para poupar um feto, a de que a vida é um dom sagrado, para poupar um condenado à morte. E nos dois casos, na proibição da mulher de dispor do seu ventre como quiser e na execução do condenado, defendem o que normalmente abominam: uma intromissão radical do Estado na vida das pessoas.”
A discussão é essa. A nossa opinião é essa sobre o tema, o resto são minúcias.
REFERÊNCIAS
Código Penal Brasileiro, Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Jornal A Tarde, Caderno Revista da TV, edição do dia 30/5/2010.
____________, edição do dia 7/2/2010.
(Márcio Melo, um cara que não abre mão da sua opinião, principalmente em se tratando de temas polêmicos, tabus)
Nenhum comentário:
Postar um comentário