“Quero continuar chateando, incomodando e fustigando os que, contemporâneos meus ou não, defendam a permanência das desigualdades.”
(Paulo Freire, o maior educador deste País)
Escrevi esse texto há um ano atrás, em resposta a um outro texto escrito por um professor de Direito Civil, intitulado “Professor gozo, orgasmo ou ejaculação”. Fiz algumas pequenas mudanças, pois o contexto agora é outro, e o público também.
A opressão tem sido, até o presente, um eterno retorno nietzschiano. A injustiça é sempre atualizada, é sempre presente; o que custa caro ao entendimento de muitos é que uma causa justa lograda ontem não garante que ela será lograda hoje, e que a guerra dispensada para conquistá-la no passado tem ônus suficiente para garanti-la no presente. Não! Cada presente precisa conquistar a sua vitória contra a opressão e a injustiça, pois ambas sempre se reinventam; mais do que o capitalismo, elas são vocacionadas para se metamorfosear e para realizar mutações; necessário é dizer que, sempre, a injustiça e a opressão atualizam-se a si mesmas. Elas são sutis, sábias, inteligentes, e são capazes até de defender luta contra uma outra injustiça e uma outra opressão! Elas se vestem de ovelhas, se justificam, e quando alguém tenta desmascará-las, elas surgem dizendo-se incompreendidas e acusando os que as acusam de imaturos ou medíocres.
Mediocridade é quando professor aliena manada; quando o subsídio é dividido como buchada; quando somos farsantes e fascistas; quando há deselegância no alpinismo provinciano; ou quando, numa universidade, ainda há alunos que insistem em não pensar! Onde estão os professores que estimulam o pensamento crítico, a liberdade de expressão?
Pobre universidade pública... Estão te transformando num ambiente em constante degradação, onde máscaras são distribuídas, dados são viciados, subsídios são lavados em favor duma cerca nossa de cada dia. Embalsamamos mutuamente nossas feridas cálidas, quebrando quase sem querer os dedos em riste destoantes e sem academicismos indispensáveis (precisamos selecionar os convívios).
A questão aqui não é responder, mas perguntar: Como medir o grau intelectual de um professor universitário? Há professores que são temidos por serem verdadeiras máquinas de criticar. Entulham seus alunos de crítica e mais crítica social, mas jamais ensinam a algum deles a curtir a vida. Claro! Óbvio! Ninguém pode dar o que não tem. Mas quero também, como professor, me perguntar: O que eu quero formar na universidade? Servos ou líderes? Autômatos ou pensadores? Antes mesmo de responder, outra pergunta me vem à mente: Ser crítico me libertou da servidão? Clayton Melo, num artigo interessante sobre a “turma do fundão” diz que:
“A função do educador é dar o beijo que desperta a inteligência. Com a leveza da poesia, essas palavras de Sócrates indicam o caminho iluminado do saber. Mas, infelizmente, a realidade da escola é obscura, repleta de tapas e de poucos beijos. Os caminhos trilhados pela instituição educacional por vezes são tão tenebrosos que resvalam para a coerção da criatividade, cerceamento das diferenças, substituição do prazer pela obrigação. Por conseqüência, muitos não descobrem a aventura do conhecimento.”
A consequência tenebrosa desse tipo de educação, só o tempo dirá. Quando certos professores não aceitam alunos que pensam diferente e lhes questionam; quando fazem “vista grossa” para alguns e “jogam duro” com outros. Por que será que isso acontece? Será a classe social? Será a cor? A intolerância ao que é diferente? Ou seria a opção sexual? Fazer a diferença é AGIR diferente, é ser um pescador de ilusões, é ser um vendedor de sonhos. Para maiores informações, procure ouvir essas músicas: “O Vendedor de Sonhos”, de Milton Nascimento e Fernando Brant; ou “Pescador de Ilusões”, da banda O Rappa; ou melhor ainda essa: “Contos da Lua Vaga”, de Beto Guedes e Márcio Borges. Segue o refrão dessa última: “Que será de nós/ Se estivermos cansados/ Da verdade, do amor?”
Como diz na música “Outro Tijolo no Muro (Parte Dois)”, de 1979 – mas atualíssima! – do Pink Floyd, uma das maiores bandas de rock de todos os tempos: “Não precisamos de nenhuma educação/ Não precisamos de nenhum controle de pensamento/ De nenhum sarcasmo sombrio na sala de aula/ Professores, deixem as crianças em paz/ Hei, professor! Deixe-nos em paz!”
Indignado! Essa é a palavra que, há muito tempo, vem retratando o meu estado de espírito, pois não há mais situações de prazer na dinâmica/prática acadêmica. Me recuso a pensar igual a todo mundo! Me recuso a ser normal, tal qual todo mundo! Deus me livre dos “normais”! Não quero esquecer, como historiador, que os grandes pensadores eram malucos que assumiam riscos, e que não poucos foram execrados, taxados de lunáticos, tidos como heréticos, transformados em espetáculo de vergonha social. Enfim, serviram de carne fresca para aves de rapina de plantão. Os “normais” recebem diplomas e aplausos, mas os desvairados e rebeldes produzem as ideias que eles utilizam.
E para encerrar esse texto, cito o ótimo Augusto Cury, psiquiatra, psicoterapeuta e escritor, no livro “O Vendedor de Sonhos: O Chamado”, p. 42 e 46:
“Estava cansado dos debates acadêmicos. Ele era um dos mais eloqüentes intelectuais entre seus pares, mas muitos dos colegas, inclusive ele mesmo, viviam do lodo do ciúme e das vaidades intermináveis. Sentia que faltava, no templo do conhecimento, na universidade, tolerância, estímulo à rebeldia do pensamento e uma dose de loucura para libertar a criatividade. Alguns templos do conhecimento tinham se tornado tão rígidos como as mais rígidas religiões. Os professores, cientistas e pensadores não tinham liberdade. Tinham de seguir a cartilha dos departamentos. (...) Nunca entendera que o carisma é fundamental para assimilar o conhecimento. Primeiro vem o carisma do mestre, depois o conhecimento que ele detém.”
Olha, também sou professor, desculpa por essas palavras, é que poetas são chegados a viver noutra real. Não me leve a mal. É que não me acostumo com essa falta de rumo brasileiro! A longa caminhada nos fez outras exigências, mesmo porque, uma vez que abrimos os olhos, não podemos mais voltar a dormir tranqüilos. Para nós, nesses anos todos, ao lado de alguns momentos de alegria, surgiram também muitos questionamentos. Trabalhamos – e estudamos – com algumas certezas e muitas incertezas. A cada dia crescem mais e mais as interrogações, mas é bom que elas existam, pois assim somos obrigados a nos lançar sempre para a frente, construindo o novo que nasce necessariamente do velho, em cada momento da nossa história.
(Márcio Melo. Professor de História, Sociologia e Filosofia no Ensino Médio. Licenciado em História. Bacharelando em Direito. Pós-graduado em Ensino de História e História Africana e Afro-Brasileira pelo IBPEX. Professor de História do Brasil na Faculdade Cenecista de Senhor do Bonfim, Bahia)
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