Mais um tema polêmico para discussão. Aproveitei um texto que tinha escrito há alguns atrás, fiz algumas mudanças e deu nesse.
Você não precisa concordar. Você precisa ler!
DE NOVO AS “COTAS” EM UNIVERSIDADES?!
OU: AÇÕES AFIRMATIVAS, UM DIREITO DO POVO NEGRO BRASILEIRO!
“Todos os dias nascem milhares de negros e negras neste País. Negros de todos os tons. Nascem exatamente como os outros brasileiros: com direito à vida e à dignidade. Como todas as crianças, aprenderão a andar, falar, brincar e sonhar. Crescerão com suas famílias, irão à escola, criarão novas famílias e sonharão com um mundo melhor. Todos os dias nascem negros neste País – mas o País não sabe disso, ou finge não saber. Estamos por toda parte. Nas ruas, nos escritórios, nos shoppings, restaurantes... no entanto somos invisíveis! Como pode um País não enxergar mais da metade de seu próprio povo?”
(Aroldo Macedo, editor chefe da revista Raça Brasil)
“A estupidez é infinitamente mais fascinante que a Inteligência. A inteligência tem seus limites. A estupidez, não.”
(Claude Chabrol, cineasta francês)
Na primeira semana deste mês de março, ocorreu no Supremo Tribunal Federal (STF) audiência pública prévia ao julgamento da ação impetrada pelo DEMo (ex-Arena e ex-PFL) contra a Universidade de Brasília. O motivo dela? As chamadas “cotas” raciais, ou ações afirmativas, para os mais bem informados.
Como em textos anteriores, reforço como a ignorância na qual estamos historicamente imersos, também nessa questão polêmica, não nos permite perceber o que realmente está por trás dessa atitude desse partido. Só Marx explica!
Algumas pessoas, como esses políticos desse partido, desconhecedoras das ações afirmativas e da Constituição, pronunciam-se contra as “cotas” nas universidades, dizendo que elas introduzem o racismo numa sociedade organizada em torno da “democracia racial”, um mito já ultrapassado, criado pelo sociólogo Gilberto Freire. Essas pessoas argumentam que o mais importante é a igualdade diante da lei e a melhoria gradual do ensino básico e médio, para que todos tenham finalmente - vai saber quando, mas é preciso ter paciência- acesso às universidades públicas.
Primeiro, é preciso lembrar que a Constituição de 1988 tentou criar no Brasil um Estado social que pretendia não apenas fazer leis, mas dar um novo rumo ao País. Portanto, o STF deve julgar apenas a constitucionalidade da medida.
Todas as pesquisas sérias feitas nos últimos anos- pelo Dieese e fundação Seade, em 2003, IBGE e Censo 2000, por exemplo- desmantelaram de vez o mito da “democracia racial” no Brasil, pois mostraram, através de dados mais que suficientes que, uma ampla presença da cultura negra em todos os setores caminha lado a lado com a exclusão do indivíduo negro do mercado de trabalho, da escola e, principalmente, das posições de decisão. É uma realidade que precisa ser combatida com urgência. E os principais instrumentos apresentados pelo Movimento Negro são as chamadas políticas (ou ações) afirmativas. São ações do Estado ou de entidades privadas favoráveis a determinados setores da sociedade que sofreram ou sofrem injustiças históricas. Essas políticas foram e são aplicadas com sucesso em diversos países, como a África do Sul, Índia e EUA. O Brasil segue o padrão norte-americano.
O professor da Uerj, Joaquim Barbosa Gomes, falando das ações afirmativas diz que “na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade”. Isso quer dizer que o Estado passa a considerar a realidade de um povo para buscar que ele seja tratado de forma igual, e não simplesmente declarar, contra todas as evidências, que “todos são iguais perante a lei.”
As ações afirmativas são políticas que beneficiam determinados grupos em desvantagem histórica, não necessariamente negros, mas também mulheres, deficientes físicos, índios, imigrantes etc.
Para a representante da Fundação Cultural Palmares, Flávia Piovesan, o combate à discriminação requer ações repressivas, mas deve envolver também medidas capazes de promover avanços no processo de igualdade. Segundo ela, as “ações afirmativas devem ser vistas como medidas especiais de proteção para o progresso de determinados grupos sociais. São alternativas legítimas para remediar um passado discriminatório.”
Por pressão dos movimentos negros, as ações afirmativas vieram à pauta política do país nas “cotas” para negros em universidades públicas. O assunto já vem sendo debatido há anos dentro do movimento negro e chegou à pauta nacional a partir da adoção do sistema de duas universidades estaduais, na Bahia e no Rio de janeiro, em 2002.
Os argumentos dos que são contra as “cotas” são os mais variados. Há os que se preocupam com a qualidade das universidades, que cairia com a entrada de estudantes despreparados - afinal, dizem eles, não tiveram condições sequer de passar pelo funil do vestibular. Esse argumento já foi por terra. Os primeiros resultados da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), instituição pioneira do País na adoção da medida, apontaram que entre os estudantes brancos de primeiro ano, 47% foram aprovados em todas as disciplinas e a taxa de evasão foi de 9%. Já entre os alunos que entraram pelo vestibular de “cotas”, as taxas foram respectivamente de 49% e 7%.
Nós, brasileiros, vivemos um verdadeiro – e cruel – apartheid social e educacional. Segundo os sociólogos Leandro Haerter e Rita de Cássia G. dos Santos, “o apartheid educacional configura-se como um reflexo da má distribuição de renda, da negação de oportunidades, enfim, da postura do ‘faz de conta de que está tudo bem’”.
É preciso que a sociedade conheça melhor a ideia das ações afirmativas. Como definiu o professor Joaquim Barbosa Gomes, trata-se de uma nova postura do Estado, que visa tornar iguais de fato pessoas vistas como iguais, mas que vivem situações bastante diferentes no dia-a-dia. O que tem que ficar claro é que o Brasil viveu 358 anos de regime escravista, nos quais as populações negras não possuíam qualquer tipo de direito que lhes garantisse cidadania. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, são só 121 anos! É preciso que a nação veja a questão das ações afirmativas como um ressarcimento mesmo ao povo negro e indígena por anos de escravidão e humilhação. Depois desse tempo todo, ainda estamos a discutir uma política que certamente não é suficiente para dar a negros, pardos e índios uma posição de relativa igualdade com os demais brasileiros, mas nada se diz sobre a necessidade ética e jurídica de se dar aos descendentes de escravos e aos indígenas uma mínima compensação por tanto tempo de escravidão e genocídio.
O racismo aqui é diferente, se comparado com o dos EUA. É mais hipócrita, portanto, mais difícil de ser enfrentado. Lá, os negros têm uma arma apontada para a cabeça, aqui no Brasil, para as costas. Questionado sobre as “cotas”, em entrevista à revista Caros Amigos, um dos pioneiros na luta por ações afirmativas no Brasil, Abdias do Nascimento afirmou: “Acham que os brancos tiveram as cotas durante 500 anos e está tudo bem, mas os negros, agora que querem ter uma cotinha, fazem um barulho danado. Parece que os negros estão querendo comer toda a economia do Brasil, não é nada disso, é uma questão de ter um País com honra, não?”
Oxalá nós vivamos o tempo suficiente para ver também por aqui o sonho de Martin Luther King se realizar!
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