Nem o governo é transparente nos propósitos do gasto nem a crítica se preocupa com o desenvolvimento
04.05.2009 - 17:55
A discussão sobre os gastos públicos continua pau para toda obra – ou melhor, para pouca obra, muito custeio e pouca atenção com as gerações futuras. A expansão fiscal começa a vir forte, em parte porque o governo tomou os efeitos recessivos da crise global como álibe para justificar sua imprevidência ao contratar despesas no ano passado quando já eram evidentes os sinais do fim da bonança.
Esse debate, no entanto, é de péssima qualidade, e isso não é de hoje. Nem o governo o elabora com transparência dos propósitos do gasto nem a crítica o faz refletindo preocupações com um projeto de desenvolvimento de longo prazo. A conta nunca fecha.
Uns querem gastar pensando nas próximas eleições. Outros se dão por satisfeitos quando veem garantidos os juros creditados no giro da dívida pública e os subsídios e incentivos fiscais para as suas atividades.
Pede-se ao Banco Central Selic de 3%; ao Tesouro, taxa real da dívida pública; ao BNDES, taxa de juros menor que o custo de captação; ao Banco do Brasil, crédito subsidiado, com o serviço da dívida não paga rolado de tempos em tempos; à Receita Federal, menos impostos; à Previdência, correção da aposentadoria com ganho acima da inflação. E assim se vai garfando o futuro.
Problema não é a carga tributária elevada, a maior do mundo entre países com renda per capita assemelhada, mas a aplicação de toda a dinheirama arrecadada pelo Estado - 38% do PIB, na conta oficial.
Entre as economias emergentes, aqui é onde mais se direciona para o custeio do Estado, entre salários e gastos correntes, a receita arrecadada. Custa mais manter serviços de saúde e educação medidos sobre o Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, que propriamente o serviço oferecido à população com qualidade.
Em relação às novas potências econômicas em ascenção, como China e Índia, no Brasil é onde menos se investe com recursos fiscais. Há anos o investimento público está estagnado em torno de 1% do PIB, chegando a 4% incluindo as empresas estatais. Quase nada.
Com o capital privado, deve fechar este ano em 17% do PIB, contra cerca de 40% na China e 27% na Índia. Esse é o cerne da questão, o que faz a política do governo ser “desenvolvimentista” só da boca para fora – com o PAC, o pré-sal e tudo mais. A crítica ao gasto público tem consistência somente se considerados tais fatores.
Preocupação rasteira
Os mais críticos do aumento dos gastos públicos, em sua maioria, não se preocupam com o destino dos recursos captados à sociedade pelo Estado e geridos pelo governo e o Congresso. Mas, sobretudo, com os indicadores de solvência do Tesouro Nacional, lato sensu.
O que lhes importa é a capacidade de pagamento dos juros. É por isso que o resultado nominal do orçamento federal, que incorpora gastos com juros pagos pelo Tesouro – em contraponto ao superávit primário, que os exclui - e a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB são as variáveis críticas que monitoram.
Balanço satisfatório
Tais dados são relevantes, mas não estão ameaçados, apesar da deterioração das contas públicas devido à recessão, com queda da arrecadação tributária e aumento das despesas.
As despesas com os salários do funcionalismo federal cresceram 24,8% no 1º trimestre, comparadas a igual período de 2008, enquanto a fatia da receita gasta com investimento cresceu apenas 13% - e o superávit primário decresceu 71,2% como proporção do PIB.
Mas, como demonstra uma análise do economista Amir Khair, mesmo com queda de 0,5 ponto de percentagem do PIB do resultado primário a cada ano, considerados diversos cenários, a relação dívida/PIB, que foi de 36% no fim de 2008, continuaria encolhendo.
Aumento só num quadro prolongado de recessão e estagnação, quando chegaria a 2012 no nivel de 37,2% do PIB. Ainda assim, segundo Kahir, muito “satisfatório”. Nos EUA, Inglaterra, se aproxima de 70% já agora.
Lula está equivocado
A situação fiscal não ameaça a solvência nacional, mas é medíocre quanto ao esforço tributário vis-à-vis a criação de um cenário de progresso econômico com qualidade de vida. Desperdiça-se muito com o presente.
O presidente Lula discorda. Acha que “para melhorar a máquina pública é preciso ter gente qualificada”, o que é certo, e que o “servidor público é mal remunerado”. Bagrinhos, professores, talvez. Mas não há no Estado categoria com salários médios menores que em funções equivalentes no setor privado. A FGV já demonstrou.
A prova da farinha
A maneira de dirimir a questão se o servidor federal, na média, é mal ou bem remunerado se resolve comparando os salários com os das empresas privadas. Foi o que fez a FGV, e encontrou, tempos atrás, o contrário do que Lula acredita.
O diretor da Escola de Economia da FGV-São Paulo, Yoshiaki Nakano, fez tal conta quando secretário da Fazenda paulista. Chegou ao mesmo resultado, revelado em vários artigos publicados.
O aumento da folha federal este ano foi orçado em R$ 23 bilhões, o que representa per capita, incluindo inativos, mais R$ 912/mês por contracheque. Ou Lula está mal informado ou já esqueceu a realidade salarial que aprendeu quando sindicalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário