sábado, 11 de abril de 2009

O peso de uma sentença


Deixados de lado a forma e os termos da sentença que condenou a empresária Eliana Tranchesi e co-réus a 94,5 anos de detenção, proferida pela juíza da Segunda Vara Federal de Guarulhos (SP), além do desnecessário decreto de prisão que manteve os réus encarcerados por apenas um dia, as copiosas críticas à desproporcionalidade da pena imposta não têm lá muita razão de ser.

Primeiramente, porque ninguém no Brasil fica preso por mais de trinta anos consecutivos, e os réus primários e de bons antecedentes contam com o benefício da Lei das Execuções Penais, que permite aos condenados progredir de regime, depois de cumpridos dois quintos da pena que, se confirmada nas instâncias superiores, só o será dentro de cerca de sete anos.

Há, no País, a cultura de se considerar delitos menores, de baixo potencial ofensivo, crimes financeiros como o de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro, pelo simples fato de serem praticados sem o emprego de violência física.

No entanto, o mal embutido na subtração de dinheiro público, por que meios sejam, corrupção, sonegação, desvio, é avassalador e supera em crueldade muitos dos mais bárbaros crimes cometidos por bandidos “da pesada”. Muda o ângulo da foto da tragédia, mas não a sua essência. Afinal, a falta de recursos para hospitais, segurança e outros serviços essenciais à vida e ao bem-estar não deixa de representar uma tremenda brutalidade para com a camada mais frágil da sociedade, a mais desassistida.

Não é por outro motivo que crimes financeiros cometidos nos Estados Unidos são punidos com um rigor que aos brasileiros soa exagerado.

Tomem-se como exemplo dois casos recentes, o dos “bispos” da Igreja Renascer, flagrados com “míseros” 56 mil dólares não declarados às autoridades, e o do piloto brasileiro de Fórmula Indy Hélio Castro Neves.

Os primeiros, como se recorda, tentaram esconder do fisco americano uma quantia que não impressionaria a maioria dos que trafegam pelos subterrâneos da corrupção, em qualquer lugar do mundo. Presos, pagaram fiança de dez mil dólares e, mediante acordo com a promotoria, a Justiça americana decidiu que eles terão de cumprir 140 dias de reclusão, além de cinco meses de prisão domiciliar, e mais dois anos de liberdade condicional. Adicionalmente, cada um terá de pagar uma multa de US$ 30 mil.


Castro Neves, a irmã e seu advogado estão sendo processados pela Justiça dos Estados Unidos, acusados de fraudes contra o fisco no montante de US$ 5,55 milhões. Célere, o julgamento deverá durar apenas um mês e meio.



O suposto crime consistia no pagamento de salários do piloto fora dos Estados Unidos, através de uma empresa “offshore”, em um paraíso fiscal, a fim de evitar o pagamento de impostos.

Por supostamente sonegar cinco milhões de dólares, Castro Neves foi levado à audiência judicial algemado e acorrentado, como qualquer outro cidadão sob custódia do Estado americano. O fato foi objeto de observações jocosas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que criticaram as algemas e as correntes, como se, por lá, a lei não valesse para todos.

A suposta artimanha saiu cara: Castro Neves teve de pagar US$ 10 milhões de fiança para responder ao processo em liberdade. Somente se inocentado, receberá a quantia de volta.

Se forem condenados por todas as acusações, dez no total, os réus poderão pegar até 35 anos de prisão. O piloto brasileiro também é investigado no Brasil por crime de evasão de divisas.

Sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas são, sim, crimes de imenso potencial ofensivo, sugando cerca de 30% do PIB brasileiro, na estimativa do professor de finanças públicas licenciado da Universidade de São Paulo e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial - Etco, André Franco Montoro Filho. Praticamente o mesmo valor que se arrecada em impostos, 35% do PIB.

Conclusão: para cada real arrecadado, um é sonegado. Boa parte desse dinheiro sujo vai parar em paraísos fiscais, onde não pagam impostos. Os fundos de clientes estrangeiros depositados em bancos suíços atingem a escandalosa cifra de 1,4 trilhão de euros.

Sonegar impostos, desviar recursos do erário, é usar os serviços públicos sem pagar por eles, além de privar outras pessoas de usufruir deles.

São raros os que vêm a pagar por esses crimes, e mais escassos ainda os que devolvem o dinheiro subtraído aos cofres públicos. Noticiou-se, semana passada, que a prefeitura de São Paulo poderá recuperar US$ 22 milhões supostamente desviados por um ex-prefeito, que teria desviado, por baixo, dez vezes mais do que isso.

O eloquente presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, tem dito que todos os réus condenados, inclusive por crimes violentos, têm a garantia de recorrer em liberdade. Exceção feita ao casal Nardoni, suposto assassino da menina Isabella, preso há quase um ano, sem julgamento. Nesse caso, negando inúmeros pedidos de habeas corpi impetrados pela dupla, a Justiça parece não ter tido, ainda, coragem de enfrentar a opinião pública, embalada pela copiosa cobertura do caso.

Numa laudatória referência ao STF, Mendes disse que a “Corte já deferiu, ano passado, pedidos de liberdade para 350 pessoas, ricos e pobres, incluindo ladrão de ‘escova de dente e bambolê’. Um número irrisório, considerada a quantidade de réus abandonados nos cárceres, sem advogado e sem recursos para impetrar um pedido de habeas corpus no Supremo.


Então, por belas que sejam as quase diárias declarações de Gilmar Mendes, a Justiça, muitas e muitas vezes, é acidental, porque embora o Supremo não deva, de fato, distinguir entre ricos e pobres, os primeiros têm todos os recursos para bater às suas portas, enquanto os segundos raramente os têm. Estes sentem em sua totalidade o peso de uma decisão judicial.


Luiz Leitão da Cunha é administrador de empresas
luizmleitao@gmail.com

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