sábado, 8 de novembro de 2008

Uma Floresta de Ideias

Certo dia um camponês foi-se queixar a um sábio ancião – o fogo tinha devastado uma parte da sua propriedade e ele queria um conselho do ancião, conhecido naquelas terras e arredores pela sua sabedoria, sensatez e sapiência de aconselhamento.
– Meu filho – disse o ancião após breve mas sábia reflexão – a natureza castiga aqueles que não a amam. Mostra o teu amor pela natureza desenhando com o teu canivete um coração em cada árvore.
E assim o camponês obrou como lhe havia sido sugerido.
No ano seguinte o camponês voltou desesperado ao tugúrio do sábio ancião, clamando que tinha ardido mais uma parte da sua propriedade. O sábio ancião cofiou longamente a barba branca como a neve, enquanto reflectia sobre o assunto. Após madura reflexão, disse-lhe:
– A floresta precisa de carinho. Compra uma aparelhagem sonora e, quando o Verão se aproximar, põe a música a tocar em permanência. E deu-lhe uma lista de CD’s para ele adquirir, onde pontificavam o Canto Gregoriano, Josquin Desprez, Monteverdi, Buxtehude e Bach, tudo artistas que o camponês desconhecia, pois que nunca, até então, haviam actuado nas festas anuais da terra. O camponês saiu de lá todo satisfeito. Seguramente que aquele conselho não falharia.
No ano seguinte, tocava em força a “Vespro della Beata Virgine”, desencadeou-se um novo e aterrador incêndio. O camponês acorreu outra vez ao aprisco do sábio ancião e deu-lhe a triste nova. O ancião que já se preparara, pois ouvira o alarido público, disse-lhe com voz doce, mas firme:
– Meu Filho, todos os acontecimentos procedem de uma necessidade do destino. O fogo não se limita a obedecer a essa lei inexorável, mas observa a lei e ajuíza de acordo com ela. O fogo sempre existiu e sempre existirá, acendendo-se segundo a medida e segundo a medida se extingue. Na sua progressão, o fogo captura, julga e condena todas as coisas. Para escapares a esta ordem cósmica, que sempre existiu e sempre existirá, toma lá estes papéis onde transcrevi toda a sabedoria de Heraclito e, quando estiver próximo o Verão, todos os dias, de manhã e ao cair da noite, vai junto das tuas árvores e lê uma frase das que estão aqui escritas. Nunca falhes.
O camponês que não percebera nada daquela lengalenga e nunca ouvira falar de Heraclito, um santo homem, sem dúvida, para estar assim em teres e haveres de sabedoria com o ancião, cumpriu fielmente as instruções. Só falhou uma noite, única e fatal. Foi a noite em que, quando chegou à sua propriedade, o fogo consumia, impiedoso, as últimas árvores. Emudeceu de tristeza e de resignação. Nem quando uma repórter da TV, em horário nobre, se abeirou e lhe perguntou como estava a “apreciar” o sinistro, uma palavra, um gemido, um soluço saiu daquela boca.
No dia seguinte, logo pela alvorada, o camponês voltou ao redil do sábio ancião e anunciou-lhe que já nada restava da sua propriedade. O pouco que havia, tinha sido consumido pelo fogo no dia anterior. O ancião, que sempre havia mostrado a maior prudência e moderação, exasperou-se:
– Nada? Não sobrou mesmo nada??
– Nada … a minha propriedade é agora um pedaço de terra nua e negra como um tição.
– Que maçada! Não fazes a mais pequena ideia quanto isso me entristece. E logo agora que eu ainda tinha tantas ideias boas!
No Brasil, enquanto queima, uma lista de boas ideias há para salvá-lo

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