quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Economia da Bolívia cresce, mas Morales ainda joga duro e rompe com órgão do Banco Mundial Lula vai lá negociar mais gás.

07.11.2007 - 18:24 Antonio Machado
A Bolívia que o presidente Lula vai reencontrar quando chegar em La Paz no dia 12 de dezembro para reabrir a parceria comercial com seu colega Evo Morales continua pobre e conturbada. Mas a economia melhorou, de certo modo até mais que o Brasil em relação ao PIB, e isso em grande parte pela nacionalização das reservas de petróleo e gás – ato soberano maculado pela agressiva ocupação militar das duas únicas refinarias do país, ambas de propriedade da Petrobras. Os números gerais da economia boliviana revelam uma trajetória de crescimento e responsabilidade fiscal, sem nenhuma semelhança com a crescente perda de qualidade da política econômica da Venezuela, do presidente Hugo Chávez, que se apresenta como guardião político de Morales e o amparou, com auxílio técnico e doações de recursos, na estratégia de confrontar os capitais externos e a Petrobras. Bolívia e Venezuela, vistas de fora, são parte de um eixo, com o envolvimento também do Equador, Nicarágua e Cuba, que joga, sob a liderança de Chávez, contra a influência natural do Brasil, como a maior economia regional, e sobretudo para hostilizar os interesses dos EUA. Olhando-se mais de perto, percebem-se nuances. Com a reforma da Constituição, feita sob medida para extrair com o apoio da população mais pobre o consentimento para se perenizar na presidência, Chávez, por exemplo, cassou a autonomia do Banco Central da Venezuela, que já está perdendo o controle da inflação. Na Bolívia, o BC pratica uma gestão conservadora da moeda, obtendo resultados efetivos sobre a inflação, e com juros baixos. Diferentemente de Chávez, Morales tem sido mais cuidadoso com a gestão da riqueza propiciada pela nacionalização e o aumento dos preços do petróleo e gás, atrás do qual vai Lula, na esperança de normalizar o fluxo de fornecimento, conforme o contrato em vigor, de 25 milhões de metros cúbicos por dia. Em troca, oferece trazer de volta os investimentos da Petrobras. A receita da Bolívia com hidrocarbonetos, como eles chamam o gás e o petróleo, saltou de US$ 284 milhões, em 2005, para US$ 1,357 bilhão no ano passado, estimando-se que suba para US$ 1,6 bilhão este ano. Em valores absolutos, parece pouco. Para o miúdo PIB da Bolívia, de US$ 12 bilhões em 2006, é uma enormidade. Em proporção do PIB, mais que dobrou, indo de 5% em 2004 para 11,3% em 2006. Ortodoxo na economia Chávez queima a riqueza petroleira com um temerário programa de gastos públicos, estatização, subsídios, subscrição de títulos de dívida da Argentina, embarque de petróleo barato para Cuba, que o revende para fazer caixa, doações a grupos políticos estrangeiros e governos aliados, como Bolívia, para cimentar alianças, e muitas compras de armamentos de última geração. Não estranha que o país já tenha déficit. Morales faz o oposto, de acordo com o Centre for Economic and Policy Research, entidade de pesquisas de orientação liberal, baseada em Washington. O gasto público passou de 33% do PIB em 2004 para 35,6% em 2006, crescendo menos que a receita. Todos contra o FMI Em termos fiscais, Morales está mais para Lula que para Chávez e é até mais rigoroso. O resultado de sua prudência foi um superávit fiscal de 4,6% do PIB em 2006, enquanto no Brasil houve déficit. A reserva de divisas é da ordem de US$ 3,8 bilhões, 33% do PIB – um feito peculiar para um país com histórico de insolvência externa e sempre no colo do FMI – cujas receitas econômicas, seguidas ao pé da letra pelos governos anteriores a Morales, são o único ponto de encontro entre ele e a oposição boliviana: ambos responsabilizam a ortodoxia do Fundo pelo enorme atraso econômico e social do país. Entre Chávez e Lula Os números da economia podem tornar o ex-líder cocaleiro Morales menos indigesto para os investidores de fora, como Lula, que ele diz querer atrair, mas nos termos dos interesses bolivianos. Não está errado - só que não é mais a facilidade com que o Brasil se acostumara. Semana passada, por exemplo, a Bolívia se tornou o primeiro país a abandonar o ICSID, International Center for the Settlement of Investment Disputes, um órgão do Banco Mundial para arbitragem de conflitos entre investidores estrangeiros e países. As refinarias da Petrobras foram estatizadas por US$ 112 milhões, menos do que valiam. Lula vai negociar, mas que fique esperto. No xadrez de Morales, Brasil e Venezuela são apenas peões. Em termos da geoestratégia, Morales faz o que pode. Errados estão os setores da diplomacia brasileira que parecem acreditar de verdade no que nunca existiu: uma fraternidade entre los hermanos. País miserável, espoliado historicamente, fortemente dividido entre uma comunidade indígena majoritária e pobre, que habita os altiplanos, e um segmento da população branco e mestiço mais rico e com tendência separatista, sem acesso ao mar, perdido para o Chile numa guerra que abriu uma ferida nunca cicatrizada, e laboratório de idéias econômicas do FMI, a Bolívia é um vulcão - metafórico e real, pois os têm nos Andes. Minérios, muito, petróleo, pouco, e gás, nem tanto, é tudo o que eles têm. Lula precisa do gás. E pode oferecer investimentos para extraí-lo e construir infra-estrutura. Ou Morales o escuta, mesmo negociando duro, e dá um futuro para a Bolívia ou vai na conversa de Chávez e colherá uma ruína.

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