quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A CPMF e os porcos selvagens

Por Fernando Orotavo Neto
advogado e professor universitário


Conta a lenda que num longínquo país comunista, enquanto o professor de
filosofia dava aulas num colégio público, enaltecendo o sistema e todos os seus
benefícios, um jovem aluno dirigiu-se a ele e indagou: "O senhor sabe como se
capturam porcos selvagens?".
O professor achou que se tratava de uma piada, mas quando ainda esperava
uma resposta engraçada, o jovem se explicou: "Você os captura encontrando um
lugar adequado na floresta e colocando milho no chão. Os porcos vêm todos os
dias comer o milho gratuito. Quando eles se acostumam a vir todos os dias, você
coloca uma cerca, mas só em um lado do lugar em que eles se acostumaram a vir.
Quando se acostumam com a cerca, eles voltam a comer o milho e você coloca um
outro lado da cerca. Mais uma vez, eles se acostumam e voltam a comer. Você
continua desse jeito até colocar os quatro lados da cerca em volta deles com uma
porta no último lado. Os porcos que já se acostumaram ao milho fácil e às cercas
começam a vir sozinhos pela entrada. Você, então, fecha a porteira e captura o
grupo todo".
Num piscar d'olhos os porcos perderam a sua liberdade. Eles correm e dão
voltas na cerca, mas já foram pegos. Logo, voltam a comer o milho gratuito, porque
de tão acostumados, esqueceram-se de como caçar na floresta por si próprios.
No Brasil da CPMF, acontece a mesmíssima coisa. Primeiro, o governo
distribuiu cargos para conseguir sua aprovação na Câmara; agora, tenta o Senado,
prometendo o redirecionamento de algumas migalhas para a saúde. E mais cargos,
é óbvio.
A verdade, nua e crua, é que embora o sistema de saúde no país esteja
falido e os serviços públicos prestados sejam altamente precários, nós, cidadãos,
teremos de nos acostumar a pagar o imposto menos provisório (e mais definitivo)
de que se já teve notícia sem, é claro, qualquer contrapartida finalística aparente.
Deixa isso pra lá!
Num dia temos a economia mais sustentável do terceiro mundo, blindada
contra crises; no outro, dizem os cavaleiros do apocalipse, o país quebra, o mundo
acaba... se a CPMF não for aprovada. A economia é boa e não é boa, de acordo
apenas com a conveniência dos governantes.
Mas a culpa não é só dos políticos, tão acostumados ao fisiologismo quanto
a personagem de Montaigne "que continuou a carregar um bezerro nos braços,
mesmo depois de ele ter se tornado um boi". A culpa é dos cidadãos que se
acostumaram a votar sempre pensando em conseguir "um almoço grátis", que se
contentaram com programas de auxílio de renda, de bolsa isso, bolsa aquilo,
medicamentos gratuitos, cotas de faculdade, e se esqueceram de ir para a floresta
caçar, pois já desconhecem a força do trabalho.
Não se pode vacilar na certeza inabalável de que a aprovação da CPMF se
dará ao custo da perda contínua da liberdade, da dignidade, da credibilidade, tal
qual aconteceu com os porcos selvagens. As cercas já estão postas. Ou alguém
ainda duvida que com toda essa blitzkrieg governa mental o imposto vai ser
aprovado?
Jornal do Brasil – 07/11/2007 – Opinião – A11

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