INVEJA: UM MAL SECRETO, SEGUNDO ZUENIR VENTURA
“Podemos descrever o nosso ódio, o nosso ciúme, os nossos medos, as nossas vergonhas. Mas não a nossa inveja.”
(Francesco Alberoni)
Escrevi recentemente um texto sobre a gula, um dos sete pecados capitais, e nele fiz um comentário do livro “Gula – O Clube dos Anjos”, de Luis Fernando Verissimo. Foi o primeiro livro que li de uma série tentadora intitulada Plenos Pecados, da Editora Objetiva (www.objetiva.com). A partir de então fui atrás dos outros livros da série e acabei encontrando o primeiro volume: “Inveja – Mal Secreto”, do jornalista, professor universitário e escritor Zuenir Ventura. Tão bom quanto o primeiro!
Na verdade, esse livro não é só bom, ele é ótimo! Já na apresentação, temos essas palavras: “Que pecado afinal, será esse – que ninguém admite ter, mas todos juram conhecer? Insidiosa, dissimulada e insaciável, a inveja é o mais antigo e atual dos pecados. E também o mais democrático: homens e mulheres, pobres e ricos, todos a têm, ou já tiveram, ou vão ter.” Quem começa a ler esse livro, não tem como não continuar, porque desde o início, o autor vai prendendo o leitor de um jeito que ele não consegue se desvencilhar... Ainda na apresentação: “Realidade? Ficção? Mal secreto mistura aventura e revelações, como num jogo tecido pela própria inveja onde o mais importante não é o que se ganha, mas o que o outro perde.”
E aí, deu vontade de ler também? Logo no início do livro, tem um aviso “aos navegantes”: “Aos que pretendem empreender essa viagem, o autor pede que levem consigo, para o caso de se perderem, três distinções básicas: ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha. E que prestem atenção: a inveja é um vírus que se caracteriza pela ausência de sintomas aparentes. O ódio espuma. A preguiça se derrama. A gula engorda. A avareza acumula. A luxúria se oferece. O orgulho brilha. Só a inveja se esconde. E que tomem cuidado: como adverte uma personagem desse livro, a emergente Vera Loyola, ‘o verdadeiro amigo não é o que é solidário na desgraça, mas o que suporta o seu sucesso’. Ou, como constatou outro personagem, o Padre: ‘A solidariedade na alegria é muito rara.’ E que não se esqueçam: como dizia Nelson Rodrigues, ‘há coisas que o sujeito não confessa nem ao padre, nem ao psicanalista, nem ao médium depois de morto’. Uma delas certamente é a inveja.”
Como não sou capaz de escrever um texto sobre a inveja, e passei a ter uma “inveja boa” – se é que existe – desse livro do Zuenir, vou citar a partir daqui trechos dele que me fizeram entender melhor o tema. Na página 18: “Dorrit disse que era fascinada pelo tema porque se tratava de um sentimento inconfessável e tão insidioso que fazia com que os outros seis pecados parecessem até ‘invejáveis’. Podia-se controlar a cobiça e acalmar a ira. Seria possível sublimar a luxúria e saciar a gula; o orgulho não chegava a ser mortal e a preguiça não era um estado irreversível. Mas a inveja, não, ela era inesgotável, um eterno descontentamento consigo mesmo.” E ainda na página 18 e início da 19: “Em meio a tantas interferências, talvez tivéssemos nos esforçado demais para chegar a conclusões óbvias, como a de que a inveja é um sentimento universal.”
Na página 21, falando sobre a literatura dos adesivos de carro e dos pára-choque de caminhão, que resumia em uma frase a inveja – “A inveja é uma merda” – Zuenir explica que “além do que ensinavam os adesivos e os pára-choques, eu pouco sabia sobre a inveja quando comecei a trabalhar neste livro. Só sabia o que todo mundo sabe: que se tratava de uma velha dama indigna, de má reputação e péssimo caráter, sorrateira, capaz de, com um simples olhar, murchar plantas e secar pimenteiras. Ainda não conhecia a famosa frase de S. Tomás de Aquino em relação a ela – ‘tristitia de alienis bonis’ -, mas já não tinha dúvida de que na composição da inveja sempre um pouco dessa ‘tristeza’ que se tem em relação às ‘coisas boas dos outros’”.
A gente costuma confundir a inveja com outros sentimentos ( ou pecados). O autor diz, na página 22 que “tem havido um esforço de marketing tentando associá-la à emulação, à competição e à cobiça. Fala-se de ‘inveja boa’, como se fala de colesterol bom. Mas parece tratar-se de um recurso para atenuar a vergonha que se tem do sentimento.”
Na página 25, o autor apresenta o resultado de uma pesquisa enviada pelo publicitário Roberto Duailibi. Nessa pesquisa feita pela agência Toledo & Associados, em dezembro de 1993, “a inveja aparecia como o ‘pecado brasileiro’, ou seja, aquele que as pessoas mais conheciam e identificavam, ainda que o rejeitassem. Fora apresentado a 407 entrevistados um cartão contendo o nome dos sete pecados capitais e a pergunta: ‘Qual ou quais os pecados mais conhecidos?’. Noventa e quatro por cento disseram que era a inveja”. Mas o que é mais estranho, segundo o autor, é que, quando se tentou saber que pecados os entrevistados admitiam ter cometido “sempre”, “às vezes” ou “nunca”, o resultado foi mais curioso: “Apenas 3% confessaram cometer ‘sempre’ o pecado da inveja; 18% admitiam cometer ‘às vezes’ e 79% disseram que ‘nunca’ o tinham cometido. Os três pecados que as pessoas mais confessam praticar eram a ira, a preguiça e a gula.” O resultado dessa pesquisa, e a opinião do autor do livro, só reforça aquilo que já sabia em relação a outros temas bem nossos, e que também sempre achamos um jeitinho de escapar, de esconder - o racismo e o preconceito: “Tanta gente cofessando conhecer a inveja e tão poucos admitindo cometê-la reforçava o que se dizia em quase todos os textos que eu estava lendo: que ela era um pecado vergonhoso e ‘incofessável’, pelo menos publicamente.”
É isso. Fica a dica aí de leitura de um ótimo livro, gostoso de ler, e tão bom quanto outro, também do Zuenir, que estou lendo nesse momento: “Cidade partida” (Companhia das Letras, 1994). Já tinha lido o melhor dele, “1968: o ano que não terminou”, obviamente. Esse é mais do que obrigatório!
O meu próximo texto, que já está quase concluído, é sobre a amizade. E inicio-o com este pensamento, citado por Zuenir Ventura na página 208 do livro: “O verdadeiro amigo é aquele que suporta o seu sucesso.”
(Márcio Melo, um ser humano como qualquer outro: pecador por natureza; junho 2010)
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