quarta-feira, 28 de julho de 2010

SOBRE A AMIZADE E OS AMIGOS QUE PERDEMOS AO LONGO DA JORNADA

Aos amigos de sempre, pela amizade cultivada ao longo dos anos, desde a nossa infância (“Green Brothers”, “Campo Limpo”, “A Thurma”). Aos novos amigos que surgiram. Aos que vão surgir.

“A amizade sincera é um santo remédio/ É um abrigo seguro (...) Os verdadeiros amigos/ Do peito e de fé/ Os melhores amigos/ Não trazem dentro da boca/ Palavras fingidas ou falsas histórias...”

(Renato Teixeira, na música “Amizade Sincera”)

“O verdadeiro amigo é aquele que suporta o seu sucesso.”

(Citado por Zuenir Ventura no livro “Inveja: Mal secreto”)

É até fácil falar sobre a amizade. Mas falar sobre a perda de amigos é muito complicado... O meu amigo escritor Homero Mattos Jr., por e-mail, nos faz esse alerta: “É notável como não se fala, não se conversa, não se discute, não coisa alguma sobre a Morte, nossa única certeza a respeito de nós mesmos.” Mas alguém tem que falar, né? Então vamos lá.

Como era boa aquela época em que éramos mais jovens e cantávamos Legião Urbana, 14 Bis, Kid Abelha e etc. em acampamentos, viagens e excursões... Que tempos! Ai que saudades que tenho! E os meus amigos, cadê? “E os meus amigos, dispersos pelo mundo, a gente não se encontra mais pra cantar aquelas canções, que disparavam nosso coração...” (14 Bis, “Perdidos em Abbey-Road, 1999). A gente, quando é jovem, acredita que tudo é para sempre. Ledo engano... “Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar/ Que tudo era pra sempre? Sem saber/ Que o pra sempre/ Sempre acaba?” (Legião Urbana, “Por Enquanto”, 1984). E o que dizer da morte do Renato Russo? Parece que foi ontem, mas já se vão 13 anos!

Renato Russo diz numa música: “É tão estranho, os bons morrem jovens”. É incrível como é essa impressão mesmo que temos. Comecei a escrever esse texto no dia em que o meu amigo José Saramago morreu, 18 de junho de 2010, aos 87 anos. Puxa, vida! Não dava para esperar mais um pouco? Custava deixar o cara viver até os 100 anos? Olha o exemplo do Oscar Niemeyer, que já tem 102. Seriam eles os últimos comunistas? Em nota para o Jornal Hoje, da Rede Globo, sobre Saramago, o cineasta brasileiro Fernando Meirelles, que dirigiu uma adaptação de “Ensaio sobre a cegueira” em 2008 disse, in verbis: “Ele dizia que a morte é simplesmente a diferença entre o estar aqui e já não mais estar. Combatia as religiões com fúria, dizia que elas nos embaçam a visão. Mesmo assim não consigo deixar de pensar que adoraria que neste momento ele estivesse tendo que dar o braço a torcer ao ser surpreendido por algum outro tipo de vida depois desta que teve por aqui. A lucidez naquele grau é um privilégio de poucos, não consigo escapar do clichê, mas definitivamente o mundo ficou ainda mais burro e ainda mais cego hoje.”

E o Drummond? Morreu também aos 87 anos, há mais de vinte anos atrás... Depois dele, não surgiu mais ninguém à altura... a poesia continua de luto até hoje... “Nenhuma flor rompe o asfalto, o tédio às cinco horas da tarde. No meio do caminho tem uma pedra, que já não se chama Itabira, incorporada ao Sentimento do Mundo. Agora sim, Drummond, agora sim, José, a festa acabou.” (Reynaldo Jardim, em homenagem a Drummond em O Pasquim 21, 2002/2003)

A gente vai perdendo os amigos ao longo da caminhada, da jornada... E é tão triste perder um amigo... Como esquecer do dia em que perdemos o nosso amigo Jacinério, num acidente terrível de moto, perto de sua casa? Foi só mais uma vítima, dentre tantas e tantas. Mais um jovem, trabalhador, cidadão que se foi, vítima dessa guerra absurda e cruel que acontece nas ruas do nosso país! O trânsito brasileiro mata tanto quanto qualquer guerra pelo mundo afora. E isso acontece, na maioria dos casos, devido à negligência e estupidez de pessoas que, sem o mínimo de escrúpulo, saem por aí com suas motos e carros em alta velocidade, consumindo álcool (ou outras drogas) e pondo em risco suas próprias vidas e as dos outros. É a certeza da impunidade de um País que insiste em ser torto e errado!

Nós escrevemos direto do front, meu amigo. Do front de uma guerra muito especial: a guerra contra a barbárie desses nossos tempos e a favor da cidadania, contra a violência e a favor da convivência, contra o desespero e a favor da esperança. É preciso acreditar, é preciso ter esperança em dias melhores, senão piramos, entende? Ficamos doidos! É preciso acreditar em dias melhores. “Vivemos esperando o dia em que seremos melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo...” (Jota Quest, “Dias Melhores”, 2003).

O antropólogo/sociólogo Roberto da Matta, em recente estudo que fez junto ao Detran do Espírito Santo para dele extrair sua análise do comportamento do brasileiro ao volante, chegou a algumas conclusões: “Nós brasileiros não somos treinados a olhar o outro. Tendemos a vê-lo sempre como superior ou inferior. Quando olhamos para o lado e vemos que o carro do vizinho é melhor ou pior que o nosso, automaticamente nos antipatizamos com ele. A conviência na rua depende de uma negociação constante, entre iguais e desiguais.” Para esse estudioso, que também é escritor – autor dos clássicos Carnavais, Malandros e Heróis e A Casa e a Rua: Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil – a casa, considerada num sentido amplo, é o espaço privado por excelência, onde estão “os nossos”, que devem ser protegidos e favorecidos. Por outro lado, a rua é o espaço público, de todos, e como tal não é de ninguém, então “tem-se ali um espaço hostil onde não valem leis nem princípios éticos, a não ser sob a vigilância da autoridade. Se alguém para no semáforo à noite ou com a rua vazia, é logo chamado de babaca pelos outros.” E concluindo diz que “o brasileiro é cordial, sim, mas só até entrar no carro.” Pelo jeito, como Freud não explicou essa questão, só a gente apelando para os sociólogos mesmo!

Como esquecer daquela homenagem feita por Zé Alves, no dia do enterro de Jacinério, ao colocar no carro de som, durante todo o percurso “Canção da América”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, na voz do 14 Bis? Fez todo mundo chorar de emoção! Já se vão quatro anos daquele acidente trágico... Fizemos uma singela homenagem no nosso jornal O PENSADOR. E durante todo o ano de 2007, dando continuidade às homenagens, fizemos a Campanha de Trânsito “NÃO CORRA, NÃO MATE, NÃO MORRA!!” distribuindo adesivos e panfletos pelas ruas da cidade. Cabe aqui a citação da linda música do Milton, que é eterna: “Amigo é coisa pra se guardar/ Debaixo de sete chaves/ Dentro do coração/ Assim falava a canção que na América ouvi/ Mas quem cantava chorou ao ver seu amigo partir/ Mas quem ficou, no pensamento voou/ Com seu canto que o outro lembrou/ E quem voou, no pensamento ficou/ Com a lembrança que o outro cantou/ Amigo é coisa pra se guardar/ No lado esquerdo do peito/ Mesmo que o tempo e a distância digam não/ Mesmo esquecendo a canção/ O que importa é ouvir a voz que vem do coração/ Pois seja o que vier, venha o que vier/ Qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar/ Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar” (Milton Nascimento,“Canção da América/ Unencounter”, 1980).

Engraçado. Curiosamente, quando estava na metade da produção desse texto, o Homero, no mesmo e-mail citado no início do texto, nos enviou esse trecho de "Dr. Jivago", do Boris Pasternak. Pela fortuita coincidência temática, citamos o mencionado trecho. A saber:

[...]"Tais foram as coisas que lhes proporcionaram felicidade e libertação naqueles dias. Um entendimento mútuo espontâneo, acolhedor, instintivo e imediato. Tal compreensão a invadia agora, um obscuro e indistinto entendimento da morte, um estar preparada para morrer, uma adequação capaz de remover todo o sentimento de desamparo a seu redor. Era como se ela tivesse vivido vinte vidas e, nelas, perdido Yurii inúmeras vezes e possuísse, desse modo, armazenada no coração, estas experiências. E de tal modo que, agora, tudo o que houvera feito e sentido ao lado daquele caixão, o fora na exata medida.

Ah, que amor fora aquele! Libérrimo e único, como jamais coisa alguma o fora na face da Terra! Seus pensamentos eram como o cantar de outras pessoas... Eles se amaram não pela necessidade, pelo 'ardor da paixão' - frequente e falsamente associado ao amor. Eles se amaram porque tudo ao redor assim o desejava... as árvores, as nuvens, o céu sobre suas cabeças e a terra sob seus pés. Talvez até mesmo os estranhos que encontravam no meio do caminho; as largas passadas que, dos caminhares, observavam; os ambientes onde viveram e se encontraram... talvez, tudo e todos, tenham se comprazido mais com o amor deles do que eles próprios. Ah, fora exatamente isso que os unira e os tornara tão afinados! Nunca, nunca, nem mesmo nos momentos da mais exuberante e ardente felicidade, eles deixaram de ter consciência da sublime alegria inerente a todas as coisas do Universo, um sentimento de que ambos faziam parte desta Totalidade, ambos eram pedaços da beleza do Cosmos. Esta união com o Todo era, para eles, o alento da Vida.

A elevação do Homem acima do restante da Natureza, esse moderno incensar e idolatria ao Homem, nunca os fascinou. Um sistema social baseado em tal premissa, tanto quanto sua prática política, os assombrava pelo amadorismo patético intrínseco e, por isso mesmo, para eles, jamais fizera sentido [...]”

E para concluir, lembramos também do poeta Thiago de Mello, citado na homenagem que fizemos ao Jacinério:

POEMA PERTO DO FIM

A morte é indolor.

O que dói nela é o nada

que a vida faz do amor.

Sopro a flauta encantada

e não dá nenhum som.

Levo uma pena leve

de não ter sido bom.

E no coração neve.

É preciso ter um foco na vida, um direcionamento. O que realmente queremos fazer? Qual é a nossa missão nessa vida? A nossa vocação? Compreendemos que, encontrando respostas concretas para essas indagações, esses questionamentos, essas provocações, aí sim, dá para começar a pensar em ser feliz, não é mesmo?

REFERÊNCIAS

CD 14 Bis, Bis, PolyGram, 1999.

CD Legião Urbana, Emi-Odeon Brasil, 1984.

CD Jota Quest, Ao Vivo Mtv, Sony/BMG, 2003.

CD Milton Nascimento, Sentinela, PolyGram, 1980.

Guia Mensal de Ideias O PENSADOR, ato 107, maio/2006.

Jornal A Tarde, edição nº33.289, de 30/5/2010.

Jornal O Pasquim 21, nº44, 2002/2003.

MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto. 15. ed. Civilização Brasileira, 1966.

PASTERNAK, Boris. Doctor Jhivago. Signet Book, 45 th. Edition. Cap. 15, p. 417, NY, USA.

(Márcio Melo, um cara que tem poucos amigos, mas que sonha um dia em ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar)

Um comentário:

Anônimo disse...

Valorizar um amigo,é prova de
que o amamos realmente.Muito bom
seu texto.