domingo, 16 de maio de 2010

CRÔNICAS DO COTIDIANO(2) VAMOS FALAR SOBRE NOSSA CIDADE? OU: COMO ERA LINDA A MINHA CIDADE...

Na semana em que mais uma pessoa foi assassinada com vários tiros em Jacobina e que, de novo, disseram que estava envolvido também com drogas (tá virando rotina), saiu esse meu novo filhote (escrevi esse texto dois dias antes do penúltimo assassinato). Na verdade, é mais uma inquietação de um cidadão, pai de família preocupado com os rumos da sua cidade, do lugar onde vive com os seus. Cada dia fico mais preocupado, porque o Medo está solto, né? E a Esperança, cadê? Alguém sabe? Alguém viu? Será que fugiu?


Para Sander

“A violência é tão fascinante/ E nossas vidas são tão normais(...)

Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber/ Afinal , amar ao próximo é tão démodé(...)”

(Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Marcelo Bonfá, na música “Baader-Meinhof Blues”)

“Camus dizia que o único papel verdadeiro do homem, nascido num mundo absurdo, é ter consciência da sua vida, da sua revolta, da sua liberdade.”

(Faulkner sobre Albert Camus)

Nasci e vivo até hoje em Jacobina, uma cidade mediana do interior da Bahia, bem no piemonte da Chapada Diamantina. Falando como o escritor/pensador Albert Camus: “Fui colocado no meio do caminho entre a miséria e o sol.” Nesses anos todos, o que mais me incomoda por aqui, assim como também nas cidades da região onde trabalhei e trabalho, é o descaso com que é tratada a coisa pública, o bem que é comum, de todos. A palavra república vem de duas palavras gregas: res=coisa e publio=público; então república é a coisa pública. Nós ainda vivemos numa república! Numa democracia, que é o governo de todos. Mas como é difícil viver hoje numa cidade!

As funções, ou razões da existência de uma cidade são: habitar, trabalhar, circular, recrear. É para essas coisas que uma cidade existe. Sem isso, não há razão de ser. Tenho saudade da minha cidade de quinze anos atrás. A cidade era diferente! Parece que a população e as autoridades ainda não acordaram para o que realmente está acontecendo. Já há um bom tempo as janelas e portas das nossas casas e prédios estão sendo gradeadas, cercadas por muros cada dia mais altos ( os mais ricos, para complementar a segurança, colocam cercas elétricas e enormes cães raivosos). Só dói quando eu penso na minha cidade de tempos não tão distantes, talvez quinze anos atrás, quando brincávamos nas ruas sem medo, até altas horas! Uma vez, namorei com uma garota que morava na Caeira – e que depois mudou-se para o bairro de Nazaré. Dois bairros um pouco distantes do centro. Perdi a conta das vezes que fui com ela até a sua casa, e voltava andando, tranquilamente, sem medo, para a casa dos meus pais, que fica na Caixa D’Água, também na periferia. Isso ainda é possível nos dias de hoje? É pensável?

A população e as autoridades precisam acordar para o caos em que nos encontramos, caracterizado pela violência (nos últimos meses, todas as pessoas que foram assassinadas por aqui, disseram que estavam envolvidas com drogas!), injustiça, insegurança, desemprego, miséria, prostituição, drogas e desigualdade social. A nossa cidade hoje colhe os frutos de políticas erradas e equivocadas, da omissão e da falta de vontade política de muitos que não buscaram – e nem buscam - implementar junto às comunidades mais carentes programas educativos, esportivos e artísticos eficientes que dessem oportunidades aos nossos jovens de sonhar com uma cidade melhor, onde haja mais paz e harmonia social.

Justiça social? É quando todos os cidadãos participam da divisão justa do bolo social. Mas o pior é que a maioria é espectadora; muitos aplaudem, poucos refletem sobre esse caos em que vivemos. Como disse o pacifista norte-americano Martin Luther King: “Nossa geração não lamenta tanto os crimes dos perversos quanto o estarrecedor silêncio dos bondosos.” Às vezes eu tenho uma ligeira impressão de que a indignação nos dias de hoje não é vista como uma boa qualidade humana. Isso pode ser escapismo: muitos querem se passar por bons só para não se incomodar, não ter que se aborrecer. A moda hoje é: ser alienado disfarçado de bom. Eu não! Quero ser mesmo é ovelha negra!

Jacobina. Quanta pobreza e quanta riqueza convivendo juntas num mesmo lugar! Isso me incomoda; e a você, não? Gostaria de convidar os incomodados a fazer uma caminhada até o alto do Monte Tabor, no bairro da Caixa D’Água, ou por qualquer outro bairro periférico da cidade. Precisamos ver a nossa cidade sem óculos escuros, sem estar dentro de um carro, com seus vidros escuros. Precisamos conversar com o povo humilde. Precisamos ser menos alienados, precisamos buscar alternativas para diminuir o sofrimento das pessoas, para tornar a nossa cidade mais humana... Que sociedade plural é essa que queremos construir, onde os donos do capital mantêm seus subordinados com salários de fome e lhes tolhe a possibilidade de construir um futuro seguro e mais digno? Por enquanto, vejo pelas ruas da cidade muitos jovens sem emprego, sem uma expectativa de vida e afundados em drogas...

Temos tempo para nos indignar? Enquanto isso, cadê os nossos vereadores? O que estão discutindo na câmara? Prioridade mesmo deve ser com segurança, saúde, educação e geração de renda para a população! O resto é conseqüência! Estamos cansados de viver de esperança, pois por aqui, o medo está dando de goleada! Por sorte, ainda temos muito jogo pela frente...

Que necessidade há para tanto esforço? A cada novo texto que escrevo, volto ao meu começo. E saio a procurar o meu caminho de novo, no meio dos escombros, do lixo que é jogado nas ruas da cidade. Tudo é caos. Eu só tenho conhecimento dos muros que nos cercam. Vivemos hoje uma “vida líquida”, muito bem pensada e problematizada por Zigmunt Bauman, uma vida precária, em condições de incerteza constante: “ vida na sociedade líquido-moderna é uma versão perniciosa da dança das cadeiras, jogada para valer. O verdadeiro prêmio nessa competição é a garantia (temporária) de ser excluído das fileiras dos destruídos e evitar ser jogado no lixo” (Vida líquida, p. 10).

Nessa sociedade líquida, “manter-se à distância parece a única forma razoável de proceder”, como diz Bauman (Medo líquido, p. 93). A violência expulsa os homens das ruas e os faz procurar seus ninhos e suas cavernas. Vivendo em seus condomínios a sua solidão, o seu individualismo. Mas, como naquela música da banda O Rappa: “As grades do condomínio são para trazer proteção/ mas também trazem a dúvida se é você que está nessa prisão”! Esses homens consideram estranhos aqueles que agem e pensam diferente, que expressam suas ideias e querem, diferentemente, a rua, a multidão. São aqueles que querem sair do fundo da caverna, para lhes dizer da sua ignorância e ingratidão... Ai da ingratidão humana!

Tenho muito ainda para dizer, para escrever. E vou continuar fazendo a minha pregação irônica contra todos aqueles que contribuem com esse sistema consumista e hipócrita, que amolda todos dentro de um padrão cretino de vida – superficial e desumano.

Eu quero ir rumo à favela! Eu quero ouvir as vozes que estão mudas, caladas, engasgadas na garganta! Eu quero dias melhores, com justiça, dignidade e fraternidade!

(Márcio Melo, cidadão jacobinense, que morou boa parte da vida num bairro periférico; hoje mora num bairro mais centralizado, mas queria mesmo era viver numa favela. Abril/2010)

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

_______. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. – 5ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2008.

CD Legião Urbana. Emi-Odeon Brasil, 1984.

DVD O Rappa. Acústico Mtv. Warner Music Brasil, 2005

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