Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar
"Um grupo de cerca de 50 índios das etnias guarani, terena e cainguangue invadiram o prédio da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Bauru (a 329 km a noroeste de São Paulo) na tarde de ontem [22 de julho de 2009] e fizeram seis funcionários reféns - uma mulher foi liberada hoje."
"A principal decisão tomada durante o encontro nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é a promessa de intensificar as invasões de terra ao longo de 2009. A estratégia será aumentar a pressão ao governo federal a assentar os sem-terra."
"Depois do neto e de duas sobrinhas de José Sarney (PMDB-AP), presidente da Casa, pendurados em gabinetes de senadores amigos, surgiram uma prima e uma sobrinha de Jorge Murad, marido da ex-senadora e atual governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB)."
O Estado já existia, em suas formas primitivas, desde o início da humanidade. Aqui, consideramos o Estado em sentido lato, ou seja, como qualquer forma de poder soberano que incida sobre um povo localizado em um território. Durante quase toda história da humanidade, o Estado foi governado somente por tiranos (chamados de reis, imperadores, déspotas, ditadores, caciques, etc.) que, apesar da diversidade de nomes e de estilos, tinham em comum o fato de exercerem o poder supremo sobre a população. Assim, não havia limites para a sua vontade, que se confundia com a do próprio Estado. Essa situação foi bem resumida por Luís XVI, chamado de "Rei Sol", ao dizer que "o Estado sou eu".
As desvantagens desse sistema eram bem evidentes. Em primeiro lugar, o povo não participava, direta ou indiretamente, do governo de seu país. Era, apenas, o objeto sobre o qual o governo exercia seu poder. A instabilidade jurídica reinava, uma vez que as decisões do governante poderiam ser alteradas a qualquer momento, sem a menor cerimônia. Além do mais, o tratamento dispensado a cada pessoa variava enormemente de acordo com seu relacionamento com o dono do poder. Nepotismo e favorecimentos de todos os tipos eram situações mais do que comuns. Enfim, é bem conhecida a tese segundo a qual aquele que exerce o poder tende a exercê-lo abusivamente.
A humanidade somente ultrapassou (e, mesmo assim, parcialmente) essa situação depois de séculos de aguerridas lutas contra o abuso do poder estatal. O primeiro marco histórico dessa luta foi a Carta Magna, de 1215, sendo seguida, muito depois, pelo Bill of Rights (1689), pela Declaração dos Direitos de Virgínia - Estado Unidos (1776) e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
Assim, o Estado de Direito surgiu nos séculos XVIII e XIX como uma forma de limitar o poder dos governantes. Seu valor essencial, que é a própria razão de seu nome, constitui o império da lei, ou seja, o poder não é mais derivado da vontade dos governantes, mas de normas abstratamente criadas pelos representantes eleitos pelo povo, reunidos no Poder Legislativo. A expressão "lei" inclui não somente as diversas espécies de leis (como ordinárias, complementares e delegadas), mas também, e principalmente, a Constituição, base de todo o sistema jurídico.
Outros valores são fundamentais ao Estado de Direito, como a divisão dos poderes entre órgãos legislativos (responsáveis pela criação das leis); executivos (responsáveis pela aplicação da lei); e judiciários (também responsáveis pela aplicação da lei, mas somente mediante provocação de um interessado). Também foi essencial a consideração de todos os homens, em igualdade de condições, como sujeitos de direitos frente ao Estado e aos governantes.
A necessidade da existência de um Estado de Direito não é mais seriamente discutida. Pelo contrário. Essa expressão tornou-se um lugar-comum na cultura política e jurídica ocidental, sendo até banalizada. Porém, como disse Norberto Bobbio, ao referir-se aos direitos humanos, "o problema fundamental, hoje, não é mais fundamentar o Estado de Direito, mas protegê-lo de seus inimigos".
No Brasil, a lista dos inimigos do Estado de Direito é bastante extensa. Por isso, serão citados apenas alguns desses personagens.
Primeiramente, os movimentos sociais. Sob o pretexto de defender interesses de "minorias exploradas", desobedecem abertamente às leis utilizando o argumento falacioso de que elas são feitas por uma "elite dominante" e, portanto, ilegítimas. Não cabe aqui explicação pormenorizada a respeito dessa abominação lógica. Registre-se apenas que o processo político, especialmente o brasileiro, é muito mais complexo do que essa simplória dicotomia, nitidamente de origem marxista, entre exploradores e explorados.
A palavra de ordem desses movimentos é a famosa "justiça social". Consideram que, em nome de um "ideal superior", supostamente representado por eles, a justiça social pode ser realizada sem maiores pudores, sem a intermediação incômoda da lei. A dicotomia antes referida está presente de modo bastante perceptível: tudo o que é feito pelos "exploradores" (leia-se: empresários em geral) é ilegítimo; e tudo o que é feito em nome dos "explorados" é legítimo. O que se pretende, na verdade, é a pura e simples destruição do Estado de Direito em nome dos desejos de determinadas categorias de pessoas.
Em termos concretos: a invasão de propriedades imóveis realizadas por movimentos de índios, dos sem-terra e sem-teto com objetivo de tomar posse desses locais é crime de esbulho possessório (Código Penal, art. 161, § 1°, II), qualquer que seja o motivo alegado para fazê-lo. Se bens forem destruídos ou danificados durante o esbulho, também haverá o crime de dano (art. 163). Além disso, também haverá a responsabilidade civil por todos os prejuízos causados.
Outro grupo cuja periculosidade para o Estado de Direito ainda não foi suficientemente afirmada é o dos juristas. Como doutrinadores, encampam teorias marxistas como o "direito achado na rua" e o "direito alternativo", que propõem, simplesmente, o abandono do Estado de Direito em nome de noções particularizadas de Justiça. Esse grupo une-se com os anteriores ao considerar que o verdadeiro direito é aquele que nasce dos movimentos sociais e não da lei.
Dentre os juristas, destacam-se, de forma acentuada, os magistrados. Muitos deles, também imbuídos de noções próprias de Justiça, desprezam a lei em nome de uma propalada justiça social. Exorbitam de suas funções constitucionais em razão de um "mundo melhor". Tornam-se, assim, ativistas judiciais. Também impressiona a ampla aceitação da doutrina da mutação constitucional, que defende a modificação da Constituição não pelo Poder Legislativo, que utiliza as emendas constitucionais, mas pelo Poder Judiciário que, conforme entenda, pode modificar livremente o sentido do texto constitucional.
O Estado de Direito também é constantemente vilipendiado pelos políticos, ou seja, por aqueles que são eleitos para exercer seus mandatos. Nesse caso, o motivo é o mais óbvio e dispensa maiores comentários: qualquer governante tende a abusar de seu poder, e seu maior oponente é o próprio Estado de Direito. A estratégia, em tempos de adesão formal à democracia e aos valores republicanos, é simplesmente utilizar todos os subterfúgios possíveis para descumprir a Constituição, sem que isso se torne conhecido da população. Os atos secretos do Senado Federal são uma demonstração contundente disso.
A lista é imensa e incluiria até o brasileiro típico, que, de forma banal, por simples comodidade, despreza a lei. Trata-se do famoso "jeitinho brasileiro".
Porém, o grande inimigo do Estado de Direito é bem mais discreto e está presente em todos os outros: trata-se do desejo de moldar a realidade de acordo com a própria vontade. O império da lei é o grande obstáculo ao império do desejo.
De fato, aquele que deseja um "mundo melhor" ou, na realidade, mais poder, considera a lei como uma formalidade desnecessária, a ser descartada em nome de algo mais "elevado" ou, simplesmente, mais "prático". Sem dúvida, as leis podem ser alteradas de modo que satisfaça o desejo, legítimo ou ilegítimo, de determinada categoria. Porém, o processo legislativo, feito nos termos da Constituição, é trabalhoso e de resultado incerto. É muito mais fácil desobedecer à lei do que modificá-la.
E quais seriam os defensores do Estado de Direito? De forma bastante simplificada, são todos aqueles que acreditam sinceramente na superioridade moral dessa forma de limitação do poder. São todos aqueles que, anonimamente, no dia a dia, sacrificam seus interesses pessoais imediatos, seus desejos, para cumprir a lei, que, certamente, não é a ideal, mas é a que conseguimos fazer neste estágio do "processo civilizatório" brasileiro.
Boas ideias podem ser a origem de grandes mudanças ou perderem-se no vazio. É preciso agir e arriscar para que o "Estado de Direito" não seja apenas uma boa ideia, mas uma prática efetiva em nosso País.
Recebido por e-mail
Colaboração: Guelfo S. Pereira
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