segunda-feira, 18 de maio de 2009

Fusão Perdigão-Sadia traz risco de concentração e surpreende pelo desinteresse de outros grupos

Espécie de Petrobras da comida, o virtual oligopólio serve a seus acionistas e ameaça o consumidor
17.05.2009 - 21:15
Antonio Machado
A compra da Sadia pela Perdigão, que caminha para a reta final, é histórica no mundo dos negócios brasileiro. A operação vai render muita polêmica entre os fornecedores e revendedores desse império da indústria de alimentos, e muito trabalho para as autoridades do Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que terá de se pronunciar se a concentração de mercado resultante é prejudicial à concorrência e, portanto, aos interesses do consumidor. Ou não.
É histórica não porque o que será apresentado como fusão criará um portento com vendas de R$ 22 bilhões, o 4º maior no ranking das empresas abertas do país depois da Petrobras, Vale e Oi.
É histórica porque, avariada por prejuízos no mercado futuro de câmbio em setembro do ano passado, as famílias Fontana e Furlan, controladoras da Sadia, procuravam há meses sócios ou compradores – e não apareceu ninguém, a não ser seu maior rival, a Perdigão, e ainda assim graças a discretas articulações do governo.
Fundos de pensão de empresas estatais controlam a Perdigão, entre os quais a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, que também tem pouco menos de 9% do capital da Sadia, cujo presidente é o ex-ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan. Ele decidira se aposentar da vida empresarial depois que saiu do governo Lula. Foi trazido de volta pela família para salvar a Sadia do desastre.
Entre prejuízos especulando com derivativos cambiais e dívidas, a Sadia foi à lona vergada por um passivo estimado em R$ 7 bilhões. No ano passado, teve prejuízos de R$ 239 milhões, próximos aos da Perdigão, de R$ 226 milhões, mas que falam pouco sobre os negócios de ambas. Prejuízo foi contingência da crise externa.
Determinante à aproximação entre as duas foi a infeliz jogada da Sadia na BM&F. Não fosse isso, estaria em paz com seus credores e a sua contabilidade. Não tendo problema algum de mercado, nem aqui nem no exterior, só dívidas nem um pouco dramáticas para uma dúzia de grupos nacionais, surpreende o desinteresse do empresariado em relação a esta galinha branca do setor alimentício. O que houve?
Sabe-se que o BNDES, que vai comparecer para viabilizar a fusão, estava sensível a apoiar a mudança de controle acionário da Sadia. Furlan conversou com fundos de private equity. E com os capitães da indústria, mesmo de outros setores? Eles não tiveram interesse ou os acionistas da Sadia pediam muito para vender ou o casamento com a Perdigão pareceu mais atraente a ponto de serem descartadas soluções menos onerosas à concentração de mercado? Redundâncias totais
As interrogações são muitas, inclusive a do papel do capitalismo brasileiro no processo de desenvolvimento.
Se há grupos em franca expansão internacional, também teria de haver para viabilizar uma troca acionária de um negócio viável e rentável, dispensando o que será uma solução extrema: a fusão entre dois gigantes repletos de superposição.
Sadia e Perdigão deveriam digladiar-se para todo sempre, jamais juntarem suas fábricas, várias redundantes após a fusão, somando uma força conjunta de 120 mil funcionários, metade de cada lado.
Antitruste capenga
É alto o risco de que, assentada a poeira, a racionalização das operações seja o passo seguinte. A Sadia tem 17 fábricas em nove estados. A Perdigão está em oito estados. Qual a garantia de que estados e funcionários são serão prejudicados?
Difícil no quadro da legislação antitruste do país. Ela é falha, o sistema de defesa da concorrência é pouco operante, não raro sentenças extrajudiciais do Cade acabam questionadas na Justiça. E o Congresso, que deveria já ter discutido e aprovado o projeto de lei enviado pelo governo para reformar tal aparato, há anos não passa da fase de discussão.
Petrobras da comida
A operação, que não envolve dinheiro, apenas a troca de ações por equivalência patrimonial, o que fará da Perdigão, menos endividada e mais capitalizada, a dona da Sadia, transcende os interesses dos acionistas.
Juntas, Perdigão e Sadia concentrarão 57% da oferta de carnes de frango e suína industrializada, 88% de massas prontas, 68% de pizzas, 65% de margarinas, um terço do abate de aves.
Elas vão estar para a mesa do brasileiro como a Petrobras para o mercado de combustíveis. Dá-se a isso o nome de oligopólio - algo severamente desestimulado em democracias maduras e, quando não há jeito, os responsáveis pelo domínio de mercado são submetidos a um regime de regras extremamente severo. Como será aqui?
Desafio para o Cade
O negócio é a oportunidade para o Cade fazer história, redimindo-se da atuação quase sempre patética de tigre de papel diante dos interesses empresariais. Em alguns casos, como da fusão da BrT com a Oi, havia interesses estratégicos a preservar num setor dominado pelo capital estrangeiro e de tecnologia vital ao desenvolvimento nacional. Ainda assim, o Cade impôs restrições ao negócio.
No caso Perdigão-Sadia não deve ser diferente, mas com muito mais rigor. É provável que o conselho do Cade exija que as operações continuem separadas até que se pronuncie - como fez com a venda da Garoto à Nestlé -, para não ser desmoralizado pelo fato consumado.
Extraído de: http://cidadebiz.oi.com.br/paginas/48001_49000/48321-1.html

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