quinta-feira, 21 de maio de 2009

Frente aos problemas da China, missão de Lula ficou no lucro, como o dinheiro para o pré-sal

3ª maior potência econômica e novo centro dinâmico global, a China pode muito, mas não pode tudo
20.05.2009 - 17:55

Antonio Machado

A segunda visita do presidente Lula a Pequim não foi lá um grande sucesso, como não fora a primeira, quando reconheceu a China como economia de mercado, peça decisiva do processo de adesão do país à Organização Mundial do Comércio, sem dar efeito prático a tal aval até agora – e por isso foi cobrado. Mas a China também descumpriu o combinado ao não viabilizar a promessa de investir no Brasil. Frente a este contencioso, o resultado da missão brasileira foi o possível, mas não deixou a desejar, embora o Itamaraty em ambas as ocasiões tenha alimentado falsas expectativas. Fato é que a China pode muito, como novo centro dinâmico da economia global no lugar, ao menos temporariamente, do encrencado EUA, mas não pode tudo. Seus problemas são superlativos como a sua população, a economia e reservas de divisas. Na perspectiva, as aflições brasileiras são um cisco frente às do governo chinês, entalado entre a dependência da retomada dos EUA, para escoar a sua produção industrial ociosa e impedir o desemprego maciço no curto prazo, e uma nova economia, movida a consumo numa sociedade sem cultura hedonista. O nível de poupança, “ridiculamente alto”, segundo o professor de Harvard Dani Rodrik, é da ordem de 40% do PIB. O consumidor poupa como ninguém mais no mundo, só o japonês lhe chega perto, porque não há previdência e saúde pública universal, a educação é paga. A ética marxista do regime não contribui para o consumo nos padrões ocidentais, o que levaria também a ter de relaxar a rígida censura da imprensa, ao livre sindicalismo e a demandas salariais. A China é uma grande fábrica com mão de obra barata e regime duro de trabalho - seis dias por semana, sem férias. A indústria está voltada, sobretudo, para o atendimento das necessidades do mundo rico, não de sua sociedade de mais de 1 bilhão de pessoas, muitas no campo vivendo com menos de US$ 2/dia. Os últimos doze meses, na análise do inglês Ambrose Evans-Pritchard, do Telegraph, deram “a lição” de que a Ásia não fica de pé com seus próprios pés. Um modelo em colapso O modelo econômico da China e do Japão, 2ª e 3ª maiores economias do mundo, é mercantilista-exportador. Daí as grandes importações de matérias-primas do Brasil pela China, desbancando os EUA nos quatro primeiros meses de 2009 no ranking de destino dos embarques brasileiros. Parte para formar estoques aproveitando o preço baixo das commodities. E também diversificar a aplicação das reservas, US$ 2 trilhões, mais de um terço aplicado em papéis de dívida dos EUA, e crescendo, pois, embora o modelo exportador tenha colapsado com a crise global, as importações chinesas caíram muito mais. Criador de problemas No Japão, a produção industrial desabou 34% até abril sobre 2008. Na China, as exportações recuaram 23%. O governo chinês soltou o crédito interno – em quatro meses os bancos emprestaram mais que em todo o ano passado –, está dando subsídio direto para a compra de carro, lançou um programa de obras públicas de US$ 586 bilhões. O principal, porém, não fez e não sinaliza que fará: valorizar o renminbi, única forma de desviar produção para o mercado interno, aumentar o poder aquisitivo do consumidor e começar a corrigir o desequilíbrio com os EUA, fonte original da grande crise atual. Em palestra na Universidade Jiaotong, em Xangai, o economista Paul Krugman, sem papa na língua, disse que “se a taxa de desemprego permanecer alta nos EUA e na zona do euro e o superávit comercial chinês continuar elevado dois anos depois (da crise), a China será considerada um criador de problemas”. Ele previu reações nos EUA. Propostas indecentes Em meio a tal contexto, Lula não tem do que se queixar. Ele foi pedir investimentos, como o negociado pela Petrobras para acelerar a exploração do pré-sal - US$ 10 bilhões, com pagamento à base de 200 mil barris/dia de petróleo por dez anos, quase 10% da produção atual -, e ouviu do colega Hu Jintao que o pleito seria facilitado se o dinheiro das empresas se fizesse acompanhar da migração de trabalhadores chineses para o Brasil. Lá emprego é problema grave. Lula desempacou o embargo à entrada de carne frango e encaminhou a de boi e suína, vetadas por questões fitossanitárias. Mas a sua proposta de o comércio bilateral ser feito nas moedas de cada um, não em dólares, sequer foi considerada. Ora. A China exporta mais ao Brasil, e quer menos dólares. Jintao propôs um acordo de livre comércio, que arruinaria a indústria nacional. Complicado. Oligopólio do frango Como previsto, saiu a absorção da Sadia pela Perdigão, travestida de fusão com o nome de Brasil Foods. É um gigante de R$ 22 bilhões de vendas, número 1 no mundo em exportação de carne de frango e dívida de R$ 10,4 bilhões. O negócio saiu forçado pelo prejuízo da Sadia no mercado futuro. Das dívidas, R$ 6,5 bilhões são suas. O negócio exige a capitalização de R$ 4 bilhões para baixá-las, parte oriunda do BNDES, cujo presidente, Luciano Coutinho, pôs o negócio na ótica certa: tem sinergia para as exportações e risco de concentração no mercado interno, pedindo análise cautelosa dos órgãos de defesa da concorrência para preservar o consumidor.

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