quarta-feira, 15 de abril de 2009

Coréia cortou cedo os juros, fez o maior ajuste fiscal do mundo, e é o 1º a sair da crise


Antonio Machado
PIB cresceu 0,2% no primeiro trimestre, depois de afundar 5,1% de outubro a dezembro de 2008

14.04.2009 - 20:22

Antonio Machado

Nem China, nem EUA. O primeiro país a interromper a enorme queda da economia neste início de 2009 foi a Coréia do Sul, repetindo a experiência da grande crise da Ásia no fim dos anos 90 quando fora também o que mais fundo mergulhara na recessão e o que mais rápido emergira da crise. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,2% no primeiro trimestre, segundo o Banco da Coréia (BoK), banco central do país, depois de afundar 5,1% de outubro a dezembro de 2008.

Extremamente dependente de exportações, sobretudo para a China e EUA, paupérrimo de minérios, sem uma gota de petróleo, único país no mundo com fronteira em estado de guerra nunca suspensa desde os anos 50, quando o território foi dividido em dois, o Norte sob o domínio de um governo comunista, a Coréia do Sul, com uma pujante economia de mercado, é exemplo máximo de superação na adversidade.

Fez da educação seu projeto de desenvolvimento e, na sequência, a especialização da indústria em segmentos de alta tecnologia como o carro-chefe do crescimento envolto pelo dirigismo estatal, mas com predomínio amplo da iniciativa privada. É um modelo que tem alguma semelhança com a economia brasileira, sobretudo a conexão entre o capital privado e o papel indutor do Estado. O ex-ministro Antonio Delfim Netto sempre o exaltou, especialmente a ênfase à educação.

Tais peculiaridades funcionaram a favor quando outra vez a Coréia do Sul, refletindo a borrasca da economia global, entrou em crise. O que lá se fez em termos de ação anticíclica merece atenção, pois já dera certo na crise da Ásia dos anos 90 e parece funcionar mais uma vez.

Diferentemente do gradualismo da distensão monetária, com o Banco Central cortando cheio de dedos a Selic e deixando à banca o ajuste do crédito, e de medidas fiscais focadas nos setores mais atingidos pela retração, lá o dirigismo foi sem peia e horizontal.

Ao primeiro sinal da parada súbita do crédito no mundo, depois da quebra do Lehman Brothers em setembro, não houve vacilo do Banco da Coréia para começar a encolher a taxa de juros interbancária. A taxa veio para o recorde de 2% ao ano, acumulando cortes de 3,25 pontos percentuais, e a banca teve o conforto necessário para sair da retranca, priorizando o crédito às pequenas e médias empresas.

Grandes exportadoras, como Samsung, Hyundai, LG, foram induzidas a liquidar rapidamente seus estoques, sem o que, como se constata no Brasil, a indústria não se recupera - mesmo que num patamar de produção menor - e o emprego continua ameaçado.

Injeção fiscal maciça

O estímulo fiscal também foi maciço, representando o equivalente a 5% do PIB do país, dos quais 1,9% no fim de março, com a mudança de foco para o estímulo à demanda. Tal esforço fiscal se compara a 0,4% do PIB no Brasil, segundo estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI), 2% nos EUA (além de mais 3,5% do PIB de apoio à banca, não considerados pelo FMI como ação fiscal, e 1,1% que já fora realizado em 2008), 2% na China – não por acaso os países com sinais de arrefecimento da crise.

Comum a tais iniciativas fiscais é a abrangência, com ênfase na demanda final e em investimentos em energia e transportes. Aqui, afora o programa de moradias populares, tem-se dado preferência a casos pontuais.

Difícil será retomar

Apesar dos sinais de estabilização da economia, o Banco Central da Coréia reduziu sua projeção de desempenho do PIB este ano para retração de 2,4%.

Lá, como aqui, EUA, Austrália, China, Índia, mas não na Europa e na América Latina, os sinais são de arrefecimento da retração, com a economia desprovida de impulso para fazer o caminho de volta, recuperando os níveis pré-crise de produção e de consumo em prazo curto, um a dois anos, por ai. Deve ser mais demorado.

Globalização em crise

Vai depender como nunca antes da ampliação do mercado interno nos países mais dependentes de exportações, como China, Japão, Coréia do Sul e Alemanha. O problema é que, à exceção da China, o mercado doméstico é insuficiente à maioria dos grandes exportadores, o que ameaça o cenário das últimas décadas - de demanda globalizada e cadeias de suprimento comoditizadas.

Tal cenário permitiu à Coréia recuperar em um ano a abrupta queda de 6,7% do PIB em 1998, crescendo 10,7% em 1999. Investimentos estrangeiros, liberalização econômica e mercado dos EUA tiraram do buraco a Ásia, que puxou o resto do mundo, até o Brasil. E agora, quem estenderá a mão?

China não repõe EUA

As expectativas do mundo se voltam para a China, o que parece um grave equívoco. Nem o governo chinês se vê com o protagonismo que fora dos EUA desde os anos 70 nem a economia chinesa está pronta para absorver a produção ociosa no resto do mundo, inclusive a sua própria.

Ao lado dos esforços para animar seu mercado doméstico, a China continua obtendo superávits comerciais do mesmo tamanho que antes, embora com menor balança comercial. Quando muito, o mercado chinês acomodará as economias satélites, entre as quais Coréia do Sul e cada vez mais o Japão - com uma contribuição marginal para o resto do mundo.

Tal cenário é perturbador ao novo equilíbrio global. No Brasil, exige conferir centralidade ao mercado interno.

Extraído de: http://cidadebiz.oi.com.br/paginas/47001_48000/47954-1.html

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