Troca de guarda da política monetária é mais complexa que nomes, misturando questão técnica com interesses
17.03.2009 - 19:46
Antonio Machado
O zunzunzum sobre o suposto interesse do presidente Lula de tirar Henrique Meirelles da direção do Banco Central, no início de 2008, e os receios de que a queda da Selic reative a demanda, ampliando, assim, as importações num quadro de retração das exportações, são capítulos de uma mesma história em que se misturam elementos reais com pitadas de lendas urbanas. A realidade é uma zona de penumbra.
As concepções macroeconômicas do BC continuam muito atreladas a um tempo da economia que passou. Isso é um fato – e um problema. Inflação não ameaça enquanto perdurar o quadro recessivo lá fora, sem chance de a demanda doméstica readquirir o ímpeto anterior. Ao governo falta espaço fiscal para substituir a dinâmica perdida.
Além disso, tardiamente se avalia que o efeito multiplicador das exportações, especialmente de commodities, sobre a renda doméstica era maior que o imaginado, embora, em termo absoluto, representem apenas 14% do PIB, ao que se adiciona a redução do funding externo – que em seu pico em 2008 chegou a 2,5% do PIB, pouco, comparado à fatia de 40% do crédito total. Mas desarticulou o crédito no país.
Do BC se cobram medidas de alívio, afrouxando os juros, o que já fez com dois cortes de 2,5 pontos percentuais da Selic a partir de janeiro. Ela veio para 11,25%, equivalente a 6,6% real, abatido o IPCA previsto para os próximos doze meses. Há espaço para promover cortes adicionais, o que, no entanto, implica novos desafios.
Os nós a desatar não dependem só do BC, mas também do Ministério da Fazenda e, sobretudo, de Lula. A queda dos juros interbancários interfere no fluxo dos fundos de renda fixa da banca na competição com a caderneta de poupança, o que repercute no giro dos papéis da própria dívida pública, e fragiliza a contabilidade dos fundos de pensão e o resultado de entes estatais beneficiados pela ciranda.
Não são questões simples. A caderneta é uma aplicação popular. Os depositantes podem reagir com desconfiança, demovendo o Congresso a aprovar mudanças visando reduzir os juros de 6%. Lula também não está em condição de bancar causas impopulares, pois pôs na bagagem de sua sucessão um candidato sem voto: a ministra Dilma Rousseff.
O entorno da conspiração contra Meirelles, duradoura por causa da ortodoxia monetária do BC, sempre esbarrou em obstáculos assim - contingências para as quais não tinha resposta, só a constatação de que os juros são abusivos. Pouco para o presidente se convencer de que deveria fazer uma troca de guarda pontual no BC.
Lula e suas razões
O fato é que se prevalecessem suas razões pessoais Lula já teria posto no BC o seu conselheiro informal de longa data Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp, a quem auscultou depois de ouvir de Meirelles o desejo de se candidatar a alguma coisa em 2010.
Dos detalhes da conversa sem testemunha sabe-se pouco. Houve sondagens de Lula, mas sem continuidade. De qualquer forma, Meirelles mantém a idéia de concorrer ao governo de Goiás em 2010. Em algum tempo terá de sair do BC. E Belluzzo não está mais disponível: disputou e ganhou a presidência do Palmeiras, o seu time de coração.
Uma troca complexa
A troca de guarda da política monetária, contudo, é mais complexa que uma lista de nomes, como revela a cooptação de Meirelles para o cargo. Ele foi convidado no fim de 2002 como a quinta opção. Os nomes à sua frente recusaram.
Nunca teve a simpatia do PT, visto como um “tucano” infiltrado, pois se elegera deputado federal pelo PSDB, com votação recorde em Goiás, e vinha de longa carreira em um banco internacional. Mas era isso o que a cúpula do PT queria: o BC avaliado como confiável pelo mercado financeiro, que à época era hostil a Lula e capaz de solapar o governo iniciante. Qualquer outro nome com tal perfil despertaria a mesma suspeição do PT.
Do BC e BB ao PMDB
Todas as condições que o levaram a ser convidado ainda continuam determinantes. Não se trata de orientação técnica. É jogo político real e de grande alcance. O BC está para o setor financeiro como o Banco do Brasil (BB) para o setor rural e a área elétrica ao PMDB.
A divisão do Estado não é imutável, mas tais rupturas não se fazem em cima de debates econômicos, como faz parecer a animada polêmica sobre os juros e as causas que o influenciam. A política monetária está imbricada à fiscal, e ambas com a da dívida pública, além de ser parte de uma coalizão política informal. Nada é simples.
Opções se afunilam
Não significa que o devedor esteja condenado a sustentar os juros abusivos indefinidamente. Quer dizer é que há problemas clamando solução em par à distensão monetária tal como o da remuneração das cadernetas. Receita financeira menor impacta o Imposto de Renda, o único tributo partilhado com estados e municípios junto com o IPI.
A arrecadação vem em queda pela desaceleração econômica, que se quer ativar com a civilização do custo do dinheiro. Um movimento, a recuperação do crescimento, tem de compensar o outro, a perda de receita, e isso o governo não tem certeza - além de provavelmente ter de partilhar com governadores e prefeitos o cogitado corte do superávit primário. As opções estão mais estreitas que nunca.
Extraído de: http://cidadebiz.oi.com.br/paginas/47001_48000/47624-1.html
17.03.2009 - 19:46
Antonio Machado
O zunzunzum sobre o suposto interesse do presidente Lula de tirar Henrique Meirelles da direção do Banco Central, no início de 2008, e os receios de que a queda da Selic reative a demanda, ampliando, assim, as importações num quadro de retração das exportações, são capítulos de uma mesma história em que se misturam elementos reais com pitadas de lendas urbanas. A realidade é uma zona de penumbra.
As concepções macroeconômicas do BC continuam muito atreladas a um tempo da economia que passou. Isso é um fato – e um problema. Inflação não ameaça enquanto perdurar o quadro recessivo lá fora, sem chance de a demanda doméstica readquirir o ímpeto anterior. Ao governo falta espaço fiscal para substituir a dinâmica perdida.
Além disso, tardiamente se avalia que o efeito multiplicador das exportações, especialmente de commodities, sobre a renda doméstica era maior que o imaginado, embora, em termo absoluto, representem apenas 14% do PIB, ao que se adiciona a redução do funding externo – que em seu pico em 2008 chegou a 2,5% do PIB, pouco, comparado à fatia de 40% do crédito total. Mas desarticulou o crédito no país.
Do BC se cobram medidas de alívio, afrouxando os juros, o que já fez com dois cortes de 2,5 pontos percentuais da Selic a partir de janeiro. Ela veio para 11,25%, equivalente a 6,6% real, abatido o IPCA previsto para os próximos doze meses. Há espaço para promover cortes adicionais, o que, no entanto, implica novos desafios.
Os nós a desatar não dependem só do BC, mas também do Ministério da Fazenda e, sobretudo, de Lula. A queda dos juros interbancários interfere no fluxo dos fundos de renda fixa da banca na competição com a caderneta de poupança, o que repercute no giro dos papéis da própria dívida pública, e fragiliza a contabilidade dos fundos de pensão e o resultado de entes estatais beneficiados pela ciranda.
Não são questões simples. A caderneta é uma aplicação popular. Os depositantes podem reagir com desconfiança, demovendo o Congresso a aprovar mudanças visando reduzir os juros de 6%. Lula também não está em condição de bancar causas impopulares, pois pôs na bagagem de sua sucessão um candidato sem voto: a ministra Dilma Rousseff.
O entorno da conspiração contra Meirelles, duradoura por causa da ortodoxia monetária do BC, sempre esbarrou em obstáculos assim - contingências para as quais não tinha resposta, só a constatação de que os juros são abusivos. Pouco para o presidente se convencer de que deveria fazer uma troca de guarda pontual no BC.
Lula e suas razões
O fato é que se prevalecessem suas razões pessoais Lula já teria posto no BC o seu conselheiro informal de longa data Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp, a quem auscultou depois de ouvir de Meirelles o desejo de se candidatar a alguma coisa em 2010.
Dos detalhes da conversa sem testemunha sabe-se pouco. Houve sondagens de Lula, mas sem continuidade. De qualquer forma, Meirelles mantém a idéia de concorrer ao governo de Goiás em 2010. Em algum tempo terá de sair do BC. E Belluzzo não está mais disponível: disputou e ganhou a presidência do Palmeiras, o seu time de coração.
Uma troca complexa
A troca de guarda da política monetária, contudo, é mais complexa que uma lista de nomes, como revela a cooptação de Meirelles para o cargo. Ele foi convidado no fim de 2002 como a quinta opção. Os nomes à sua frente recusaram.
Nunca teve a simpatia do PT, visto como um “tucano” infiltrado, pois se elegera deputado federal pelo PSDB, com votação recorde em Goiás, e vinha de longa carreira em um banco internacional. Mas era isso o que a cúpula do PT queria: o BC avaliado como confiável pelo mercado financeiro, que à época era hostil a Lula e capaz de solapar o governo iniciante. Qualquer outro nome com tal perfil despertaria a mesma suspeição do PT.
Do BC e BB ao PMDB
Todas as condições que o levaram a ser convidado ainda continuam determinantes. Não se trata de orientação técnica. É jogo político real e de grande alcance. O BC está para o setor financeiro como o Banco do Brasil (BB) para o setor rural e a área elétrica ao PMDB.
A divisão do Estado não é imutável, mas tais rupturas não se fazem em cima de debates econômicos, como faz parecer a animada polêmica sobre os juros e as causas que o influenciam. A política monetária está imbricada à fiscal, e ambas com a da dívida pública, além de ser parte de uma coalizão política informal. Nada é simples.
Opções se afunilam
Não significa que o devedor esteja condenado a sustentar os juros abusivos indefinidamente. Quer dizer é que há problemas clamando solução em par à distensão monetária tal como o da remuneração das cadernetas. Receita financeira menor impacta o Imposto de Renda, o único tributo partilhado com estados e municípios junto com o IPI.
A arrecadação vem em queda pela desaceleração econômica, que se quer ativar com a civilização do custo do dinheiro. Um movimento, a recuperação do crescimento, tem de compensar o outro, a perda de receita, e isso o governo não tem certeza - além de provavelmente ter de partilhar com governadores e prefeitos o cogitado corte do superávit primário. As opções estão mais estreitas que nunca.
Extraído de: http://cidadebiz.oi.com.br/paginas/47001_48000/47624-1.html
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