quarta-feira, 14 de maio de 2008

Vão-se os dedos


Lá se foi a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O trocadilho dos chargistas é perfeito: Marina ficou "sem ambiente" no governo Lula.
Ela tinha lá seus defeitos, era radical na reprovação aos transgênicos, uma posição mais dogmática que racional, mas o fato é que o desmatamento na Amazônia foi substancialmente reduzido em sua gestão.
Marina pediu demissão, além de outros fatores, porque foi atropelada pelo trator Dilma Roussef, a gerente do Brasil em obras de Lula. Esta é uma das poucas figuras que se retira deste governo por vontade própria, por princípios que falam mais alto do que o apego ao cargo. Pela porta da frente, ela sai engrandecida de um governo cada dia menor do ponto de vista ético. E não se diga que o fez por motivos eleitoreiros, pois ela não precisa sequer fazer campanha para se reeleger senadora pelo Acre em 2010.
Solícito conforme a conveniência, quando se trata de passar a mão na cabeça de figuras políticas acusadas de pequenos ou grandes desvios de comportamento, o presidente talvez tenha, lá no íntimo, se arrependido de ter nomeado Marina para o Meio Ambiente, e tratou de levar adiante o processo sua de fritura – em fogo brando. Sabendo de antemão qual seria a reação internacional à saída dela, Lula diz cinicamente que ficou irritado com o seu intempestivo pedido de demissão. Mas o objetivo, a manutenção das aparências, ao menos perante os mais ingênuos, que não são poucos, terá sido atingido.
Em uma semana durante a qual são anunciadas as denúncias à Justiça de dois governadores, dois ex-governadores, do ex-ministro Silas Rondeau e talvez de mais três deputados federais por suposto envolvimento no esquema de fraudes descoberto pela operação Navalha da Polícia Federal; avolumam-se as suspeitas em torno do deputado federal Paulinho da Força, da base de apoio do governo no Congresso, cuja central sindical foi favorecida pelo veto presidencial à sua fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU); o senador biônico Wellington Salgado é denunciado por suposto crime tributário, o senador e ex-governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB- GO) passa a responder ao quarto inquérito no Supremo Tribunal Federal; e a empresa francesa Alstom é suspeita de ter pago propinas no Brasil para obter facilidades em negócios com o governo, não soa nem um pouco estranha a recente crítica de Lula ao TCU.
Segundo Lula, o TCU – que mostrou a péssima qualidade dos serviços executados durante a operação Tapa-Buracos nas estradas federais, em janeiro de 2006 - e o Ministério Público Federal travam as obras no País “porque aqui se parte do pressuposto de que todo mundo é ladrão”. Pelas palavras presidenciais se pode supor que todos os que tentam defender a legalidade no Brasil são pedras no sapato. Lula detonou Marina Silva; se pudesse, acabaria com o TCU.
Autoritário e avesso ao contraditório ao ponto de reagir com injustificável violência verbal quando contrafeito, o presidente, que já forneceu sobejas amostras da pouca importância que dá à virtude, à boa governança e àquilo que certamente considera filigranas éticas, daria um belo ditador. Não fossem os enormes obstáculos institucionais à frente, ele, fazendo jus à sua admiração por ditadores, inclusive brasileiros, já teria mandado tudo às favas para estender seu mandato ao infinito.
O mais triste de tudo é ver jovens e crianças submetidos a este interminável desfile de hipocrisia em que se sacrificam a verdade e a competência. Cansada das sabotagens e de ver triunfar as nulidades, em boa hora Marina Silva se foi.
Subverteu-se o ditado: vão-se os dedos, ficam os anéis.
Luiz Leitão
luizmleitao@gmail.com
http://detudoblogue.blogspot.com

Um comentário:

antonio gomes lacerda disse...

Luiz, mais uma vez voce nos brinda a todos com um excelente artigo e como voce deixou transparecer,cada dia está mais atual: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."