domingo, 5 de abril de 2009

G20 anuncia US$ 1,1 trilhão contra a recessão e algemas no sistema financeiro global

Antonio Machado
Pacote ajuda, mas não resolve a crise. É o máximo que um grupo heterogêneo de países poderia fazer

03.04.2009 - 18:21

Antonio Machado

A grande síntese do encontro dos líderes das maiores economias do mundo em Londres foi como coração de mãe: abrigou todos os pleitos que dividiam os governantes e pôs na mesa dinheiro grosso, US$ 1,1 trilhão, para “restaurar o crédito, o crescimento e os empregos na economia mundial”, segundo o comunicado oficial. Nada ficou fora.

O consenso contemplou mais canga nos bancos, fundos de hedge, as agências de classificação de risco e os paraísos fiscais, o pleito do francês Nicolas Sarkozy e da alemã Ângela Merkel. Mas também o compromisso de reforçar o funding do FMI e Banco Mundial – um meio termo ao ativismo fiscal defendido pelo presidente dos EUA, Barack Obama, e pelos primeiros-ministros da Inglaterra, Gordon Brown, e do Japão, Taro Aso. A proposta desagradava França e Alemanha.

O esforço para transparecer unidade onde há enormes diferenças, que não foram superadas - permanecem como um dado oculto da nova “harmonia global”, tipo casamento mantido por conveniência -, foi a tônica da declaração final em inglês, com sete páginas e 3.057 palavras. Nela houve espaço até para uma manifestação de princípio cara aos ativistas antiglobalização que encheram as redondezas do encontro em Londres com protestos violentos: a promessa de que a recuperação será “sustentável, verde e inclusiva”.

No fim, num sinal de segurança e descontração diante da crise dos líderes do G20, o grupo dos 20 países que formam a nova governança global, o presidente dos EUA, Barack Obama, fez graça com o colega brasileiro. Na fila dos cumprimentos, ao lado do primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, Obama soltou, dirigindo-se ao presidente Lula: “Adoro este cara, o político mais popular da terra. É porque ele é boa pinta”. Agora é que Lula vai ficar in-su-por-tá-vel.

Mas não só ele. Sarkozy bateu pé, disse que abandonaria a cúpula, se não fossem tomadas medidas fortes para policiar os mercados, a fim de prevenir futuras crises, e dar um chega pra lá nos paraísos fiscais. Nada disso é relevante para a solução da crise. Mas ele e Merkel viram a oportunidade de dar um basta às perdas fiscais dos dinheiros desviados para países que fizeram do sigilo bancário um grande negócio, como Suíça e Luxemburgo. Foram atendidos.

O diabo nos detalhes

Em troca, desistiram da pedra no sapato de Obama: a idéia de uma governança supranacional dos sistemas bancários soberanos. Criou-se um Conselho de Estabilidade Financeira, FSB da sigla em inglês, substituindo o Fórum já existente, mas com maior abrangência sobre as operações financeiras globais, operando em sintonia com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Não se falou do BIS, o consórcio de bancos centrais baseado em Basiléia, Suíça, que define os padrões de risco do sistema bancário. Muitas questões ficaram em aberto.

Há previsão de regramento forte dos bônus pagos aos executivos de bancos para desencorajar a tomada de riscos excessivos, mas não se aclarou como conciliar tal ação com as regras bancárias nacionais.

O dinheiro anticrise

Tais temas renderão assunto na mídia, mostrando os governos duros com os banqueiros e especuladores. Em toda parte há revolta contra os resgates bilionários de bancos, enquanto cresce o desemprego.

Contra a crise, porém, só o que conta são os pacotes fiscais - e eles foram reservados ao FMI, Banco Mundial e agências regionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, destinatários do aporte de US$ 1,1 trilhão vindos de contribuições dos EUA, Japão e países europeus. A China promete aderir, desde que seja ampliada sua influência nestas instituições, a condição também do Brasil.

O grosso do dinheiro, cerca de US$ 750 bilhões, fluirá pelo FMI em apoio a países encalacrados em suas contas externas, como os do Leste Europeu, e os mais pobres, excluídos das operações normais de mercado. O financiamento do comércio exterior terá outros US$ 250 bilhões, canalizados através dos bancos multilaterais. Não se especificou como a banca repassará tais recursos aos exportadores.

G20 fez o que podia

O pacote do G20 está longe de sepultar a recessão tão logo comece a ser operado. Não é o “ponto de inflexão” da crise, como declarou Obama. É o máximo que um grupo heterogêneo de países poderia fazer - e neste sentido superou a expectativa.

Já a superação da crise é função das políticas nacionais de cada país e de um acordo que EUA e China terão de encontrar sozinhos, pois são ao mesmo tempo causa e solução de boa parte da crise. O G20 fez o que podia.

Mas a crise continua

Não é desprezível o consenso alcançado, que poderá desdobrar-se à frente com a retomada da chamada Rodada Doha, que persegue a queda do protecionismo que constrange o comércio entre países. A nota do G20 não omitiu esse compromisso.

Cúpulas como a de Londres tornam o mundo mais seguro. Mas tirar a economia do atoleiro exige mais, começando por um diagnóstico consensual sobre o que a provocou – o primeiro passo para a solução do problema. Esse consenso não há.

Com bancos insolventes e o desbalanceamento entre os EUA deficitários e sustentados pelos superávits de alguns poucos, sobretudo China, Japão e Alemanha, a crise não acaba. E, se amainar, ressurgirá adiante muito pior.

Extraído de: http://cidadebiz.oi.com.br/paginas/47001_48000/47851-1.html

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