sábado, 21 de março de 2009

Sofrimento da ginasta Jade diz mais sobre o momento do país que ata do Copom


Atleta está vendendo camiseta para pagar tratamento médico. E o governo? Ora, quer trazer as Olimpíadas
20.03.2009 - 16:49
Pequenos detalhes de uma nota perdida num canto de jornal revelam mais sobre o que se deve saber sobre o momento do país do que todo o trabalho de hermenêutica das atas de conjuntura do Banco Central e as profundas pesquisas socioeconômicas do IBGE. O país tem o 10º maior Produto Interno Bruto do mundo, e mazelas de republiquetas.
O caso da jovem, talentosa ginasta Jade Barbosa sem dinheiro para tratar uma grave lesão no punho é um choque na consciência de um país cujos governantes vão gastar o que não tem para sediar a Copa do Mundo, querem promover as Olimpíadas, e nem conseguem prover o mínimo amparo a seus ídolos. Jade está vendendo camisetas a R$ 25 com sua foto, alusivas às Olimpíadas de Pequim, para arrecadar o dinheiro que precisa para se tratar. Uma atleta olímpica... César Barbosa, seu pai, disse ao portal UOL que embora Jade seja atleta do Flamengo o clube não oferece plano de saúde. “Os exames e ressonâncias ela faz pelo convênio particular que fiz para ela”, disse. “Agora, consultas, remédios, tudo isso sai do nosso bolso. É muito caro. Gastamos mais de R$ 600 por mês só em medicamentos.”
Durante os Jogos de Pequim, dirigentes do Ministério dos Esportes e do Comitê Olímpico Brasileiro falaram em investimentos contínuos para transformar o Brasil em potência olímpica. O presidente Lula chegou a lamentar as poucas medalhas conquistadas. Foi o 23º, com população e PIB maiores que a nanica Jamaica, 13º, por exemplo, no quadro geral de medalhas, a miserável Etiópia, o 18º, Quênia, 15º.
E no que deram tais intenções? Em gastos de marketing e relações públicas para trazer as Olimpíadas ao país. No programa bilionário de investimentos para construção de estádios nas capitais que vão sediar as chaves da Copa do Mundo - o grosso com previsão de virar canteiro de obras a tempo de ser aproveitado nas eleições de 2010.
Quanto aos cuidados aos atletas, afora os afortunados que jogam no futebol europeu, silêncio. Se Jade, uma atleta de ponta, está abandonada, o que dizer da situação dos milhares de jovens que se esgotam na rotina de treinos, muitas vezes sem nenhum subsídio, na esperança de superar limites, o desafio mais puro das Olimpíadas. É como se o atleta só servisse ao poder para fotografias oficiais, ainda assim se tiver medalhas para pendurar no peito.
Fartura no Congresso
Jade expõe com sua desdita a miséria dos esportes, mas também ela um cisco no apinhado de contradições de um país cujos políticos se voltaram para seus próprios interesses, como revela a sucessão dos escândalos no Senado e na Câmara, o último deles incompreensível – trágico mesmo: os 181 diretores lotados na Casa legislativa com 81 senadores, e 104 na outra, com 513 deputados, quando meia dúzia já estaria de bom tamanho.
Há diretor de ata, de garagem, de anais. E de mictórios, também há? Para eles não faltam recursos, excedem. É tal o descontrole que mal conhecem direito o aparato de que dispõem para servi-los, como os 18,6 mil funcionários da Câmara, e sem contar os inativos, e outros 10 mil no Senado. Dá uma média de 48 servidores por parlamentar. Ou R$ 9,76 milhões por ano, o custo total médio de cada deputado e senador para o contribuinte.
Carteirinha obtusa
Se o Congresso se supera nesta espécie de competição contra a boa vontade do cidadão, o Executivo não faz por menos. Basta a própria área de esportes, merecedora de um ministério entregue a uma das facções da coalizão partidária de Lula, o PC do B.
Saiu de lá um projeto obtuso a pretexto de combater a violência nos estádios de futebol. A idéia é obrigar os cidadãos a portar uma “carteira de torcedor” sem a qual ninguém poderá comprar ingresso nem passar em catracas eletrônicas que seriam instaladas nos estádios.
A carteira do torcedor seria gratuita, segundo o ministro dos Esportes, Orlando Silva. É. Mas e o custo das catracas, do software de identificação do torcedor, da manutenção do sistema? Quem vai pagar? De graça não será.
Onde alegria é geral
Para os desperdícios que fazem a alegria dos partidos o dinheiro não falta. Tome-se a Timemania: a loteria lançada para aliviar os cofres falidos de clubes de futebol. Dos dirigentes que os puseram na lona nada se exigiu e tudo se deu. E a Jade falta até o que não tem valor monetário: atenção e carinho.
Assim vai o Brasil. Tire-se a economia, mesmo com a crise global, e sobra pouco com o que não se afligir. Basta atentar para os pequenos detalhes. Revelam tudo para quem não se deixou ficar em torpor.
O dólar virou alvo
O Federal Reserve foi para o tudo ou nada com a compra de papéis do Tesouro dos EUA e ativos hipotecários, dispondo-se a injetar US$ 1,15 trilhão na economia. É como se emitisse dólares, recurso de países em fim de linha, e os pusesse a circular. A diferença é que a dinheirama entrará pelos bancos como liquidez digital para virar meio de pagamento por meio de crédito.
A operação é de alto risco. Se a banca seguir travada, a solvência do Fed é que vai estar em causa. Explica-se assim por que o dólar há dias voltou a perder valor frente ao euro, por exemplo, saindo de US$ 1,24 para US$ 1,36, o que também ameaça a mais que abalada economia européia.
Antonio Machado

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